8h da manhã.
A minha mais velha, a Rita, acaba ainda de lavar os dentes e o Tiago vai enfiando os últimos livros na mochila enquanto ouço o som do motor do carro da minha irmã a aproximar-se. O mais novo, esse, tem a sorte da escola ser ainda próxima de casa e de começar um pouco mais tarde.
A minha mais velha, a Rita, acaba ainda de lavar os dentes e o Tiago vai enfiando os últimos livros na mochila enquanto ouço o som do motor do carro da minha irmã a aproximar-se. O mais novo, esse, tem a sorte da escola ser ainda próxima de casa e de começar um pouco mais tarde.
Enquanto aceno à minha irmã e os vejo perderem-se no horizonte fico sempre a matutar porque não preferem ir de autocarro. Talvez não saibam como era no nosso tempo. Um dia hei-de dizer-lhes que a minha escola começava muito antes de entrar no recinto. Não sei se eles vão acreditar, mas vou dizer-lhes que começava ao som do rádio. Isto já depois de ter subido ao combro do campo junto à serração da Barroca porque os camiões ocupavam a estrada dificultando a passagem. E o tempo era precioso demais para se perder pois o autocarro parecia andar sempre regulado para aparecer 1 minuto antes da minha chegada à paragem e que era quase sempre feita a correr. Mas o início do ritual diário tornava-se oficial já em pleno autocarro, sempre apinhado de gente, ao som do “Despertar” apresentado pelo António Sala e pela Olga Cardoso. Dessa forma, estava oficialmente aberto mais um dia de aulas.
Os meus 10.º e 11.º anos foram particularmente felizes porque não pertenci a uma turma. Pertenci, isso sim, a uma família. Das que se dão bem, saliente-se. Éramos muito unidos.
Vendo as coisas de forma mais lúcida e a esta distância temporal, sei que era com estes que gostaria de voltar a pisar o campo de futebol ou a dar uso às enxadas da escola em mais uma aula de Produção Vegetal. Era com estes que eu gostaria de voltar a planear as mais imprevisíveis formas de usar “copianços” nos testes ou de me sentar no bufete a jogar uma suecada. Com estes, sempre estes, voltaria a amar a mesma menina em segredo com a cumplicidade das colegas da carteira da frente. Voltaria a fazer tudo desde que fosse novamente com estes.
Passaram 30 anos.
Algumas destas caras nunca mais as tinha visto. Mas o dia 4 de agosto de 2023 ficou na história. O dia do reencontro. Dos abraços apertados. Um a um fomos chegando ao local previamente combinado. A cada chegada abria-se um par de braços e rasgava-se um sorriso. Dos grandes. Porque esse tempo estava lá longe, mas as boas memórias eram mesmo aqui ao lado.
A Amélia continua com a voz meiga e um olhar a lembrar a outra Amélia, a dos “olhos doces” cantada pelo Carlos Mendes. O Carlos apenas perdeu o cabelo, o resto continua lá. Sobretudo as lembranças da sua Aprilia e das chegadas à sala de aula mesmo em cima do 2.º toque. O Nepinhas continua a trazer sempre no bolso a piada certa para dizer na hora exata. E isso dá-lhe ainda mais graça. O Neno continua a transportar consigo a bondade e o carisma próprios do líder natural desta turma. O Bruno continua a ser o amigo que todos gostaríamos de ter, mesmo que o cabelo já comece a aparecer, aqui e ali, pintado de branco. A Rosário continua como se o tempo não tivesse passado por ela o que acaba por não ser muito justo já que o espelho, a mim, está sempre a devolver-me uma quantidade enorme de rugas... Eheheh! Mas, adiante... O Freitas era uma das presenças mais aguardadas da noite por ser, de todos, aquele de quem menos sabíamos. E 30 anos não são 30 dias. O timbre da sua voz é inconfundível. Com ele trouxe-nos histórias fenomenais de uma vida preenchida pelos vários cantos do mundo. Nome de código: “Miami Beach”... Ahahah! O Pedro Alexandre continua mais reservado, mas sempre a alinhar com tudo o que se decide fazer. O outro Pedro, o Cereja, sempre bem disposto. A justificar ter sido também um dos principais impulsionadores deste reencontro. O Vítor trouxe também as suas histórias de vida tendo sido um prazer enorme revê-lo passado tantos anos. O Paulo continua também com a sua forma inspiradora de ser e relembrou alguns episódios que estavam já um pouco turvos na minha memória, nomeadamente na disciplina de Francês. Bons tempos. E, claro... Todas as turmas têm de ter uma Teresa. Nós temos duas. Até nisso nos destacamos. A alma, o riso e muito do que aconteceu neste jantar, tem o selo das duas Teresas. Sou um privilegiado.
O jantar foi bem regado, cheio de boa disposição e com muitas aventuras novas a juntar a tantas outras dos tempos do liceu. Correu tão bem que no fim do repasto ainda houve tempo para visitar o “Cheiro Verde” para a rodada final. Todos concordamos em repetir a dose lá para dezembro ou janeiro, se possível também com alguns dos que não conseguiram estar presentes neste primeiro reencontro.
Voltei para casa de coração cheio. Continuamos uma família. Há tanto de bom para contar aos meus filhos. Talvez eles passem a preferir o autocarro.
Há um filme de 1986 onde o Richard Dreyfuss, na parte final, diz a seguinte frase: “Nunca mais tive amigos como quando tinha 12 anos. Mas será que alguém tem?”
Vem mesmo a propósito. Encontramo-nos no próximo jantar.
Até já.
Miguel Brandão