A estrada velha

 

As lições ou exemplos de vida que nos são deixados pelos pais nem sempre se apresentam na primeira pessoa. Muito menos de forma direta. Aparecem nas entrelinhas dos que sabem estar atentos. Nunca falei com o meu pai sobre algo que deixou em mim e que recordo (e uso) frequentemente na minha vida. Tem a ver com as idas ao Porto durante a minha infância. Não foram muitas as viagens mas, sempre que nos deslocávamos ao Porto, o meu pai escolhia sempre a estrada velha. “Por São João era melhor”, insistia eu repetidamente. Mas o meu pai escolhia sempre ir pelo fundo do concelho passando por Lourosa. Pelo caminho, ao volante do saudoso toyota corolla branco, ia apontando casas de colegas seus ou da minha mãe e recordando histórias da sua juventude no mesmo percurso que nessa altura era percorrido pela Feirense até ao Seminário de Vilar. Só alguns anos mais tarde interiorizei o valor deste gesto. As idas eram ao Porto, mas as viagens eram sempre ao passado, aos amigos que sabemos já não rever, aos lugares e às pessoas onde, a certa altura e num certo tempo, deixámos o melhor de nós mesmos.
Estás de parabéns, Pedro. Esta é a forma que hoje escolhi para te abraçar.
A variante é o caminho de todos os dias para o trabalho, mas hoje queria dizer-te que vim pela estrada velha. Há coisas que estão diferentes. Há lugares mais arranjados e passeios e parques a tornar o caminho mais bonito. Há mais carros e, vê lá tu, até as pessoas parecem mais. Há ainda muito de bom para apreciar e onde nos podemos perder. Mas não me sai da cabeça as vezes que vínhamos dos ensaios da banda no carro do meu pai, tanto os da tarde como os da noite. Há muita amizade escrita ao longo desses 7 km de estrada num tempo onde ainda éramos pequenos e os outros é que estavam obrigados a ser grandes.
Hoje não me vou alongar, amigo. Bem sabes que escreveria 100 páginas de um só fôlego para festejar este dia. Não vai ser o caso. Queria apenas que soubesses que vim pela estrada velha. Foram 10 minutos. Foram mais de 40 anos. É uma eternidade.
Hei-de ser criança até o dia em que a morte me levar.
Parabéns.

Two roads diverged in a wood, and I
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
            The Road Not Taken, Robert Frost

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