O Último Concerto: Parte II

Hoje a sensação é um bocadinho estranha. Afinal, para além do último concerto que relatei neste mesmo blogue no passado dia 28 de março, havia ainda um outro “último” concerto. Ou talvez não seja bem isso. É mais uma espécie de “Encore”, mas de grande qualidade.
Saio do trabalho a correr com tempo apenas para uma paragem rápida em casa para trocar de roupa. E é assim, já todo de preto, que entro no carro com destino a Aveiro.
Ao entrar no Auditório sou surpreendido pelo Luiz que, juntamente com o Rodrigo, nos vai dirigir dali a pouquinho. Vem ao meu encontro e pergunta pelo meu blogue. Por momentos penso tratar-se de um lapso auditivo mas ele faz questão de continuar e de me dar os parabéns pelos textos sobre o coro do DeCA. Agradeço da forma mais simpática que sou capaz e aproveito para retribuir o agradecimento pela forma como todo o repertório foi trabalhado durante as aulas. Desejámo-nos “sorte” e fui procurar o meu lugar no meio do coro.
No meio de todo o burburinho habitual, naqueles momentos que antecedem as atuações, houve tempo para tomar consciência que tudo parece estar a acontecer de forma diferente. O destino como que adivinha que se trata da última atuação. As 21h dão lugar às 18h, o professor Lourenço dá lugar ao Luiz e ao Rodrigo e a Sé de Aveiro passa a vez àquela que é a sala de todos os dias: o novo Auditório que temos agora de colocar bonito para o público, como quando se arranja um bocadinho melhor a nossa casa para receber uma visita importante. Só as meninas bonitas não têm que dar lugar a outras. Continuam as mesmas: bonitas, doces e delicadas. Deambulam pela sala como poemas largados ao vento.
Os meus colegas começam a aproximar-se e, os mais chegados, cumprimentam-me com a célebre frase do “Brandão” que há-de continuar por mais uns tempos enquanto ainda nos arrancar alguns sorrisos da cara. Entretanto o professor pede quatro voluntários para ajudar a passar um estrado. Durante algum tempo permaneço como voluntário único. Estranho. Finalmente dois colegas juntam-se a mim nessa nobre missão. Chegados ao outro Auditório, o velho, damos conta que afinal o que estava planeado para quatro pessoas era perfeitamente executável por duas pelo que lá venho a alombar com um estrado juntamente com outro colega.
Já todos em posição em cima dos estrados, somos convidados a fazer o aquecimento. Faço-o com todo o gosto e empenho que sou capaz embora pense para mim que eu e o meu colega de carga não precisaríamos (alguns risos)!
E o concerto começa. Desta vez, muito diferente de todas as outras. Por tudo acontecer tão rápido. Não houve tempo sequer para um nervoso miudinho. Nada. Talvez por isso, mais do que as memórias visuais, tenha apostado nas auditivas. A beleza desta vez foi realçada pela delicadeza das vozes que pareciam desenhar sons no ar como quem trabalha filigrana.
E o concerto acabou. A porta do Auditório abre-se para a saída e volto a encontrar cá fora aquela vida que passa sempre a correr. Como se tivesse que chegar ao carro de forma mais rápida que aquela com que o Jesse Owens percorria os 100 metros. Fazer música com os meus colegas traz-me essa calma que não encontro em muitas das horas do meu dia-a-dia. É do que mais sentirei saudades quando acabar a licenciatura: fazer música em conjunto. É natural.
A viagem de regresso dura cerca de uma hora. É lá que se mastigam estas boas memórias que sei que ficarão guardadas durante algum tempo. O suficiente para ser mais feliz à minha maneira. Chego a casa e lembro a voz da Amália quando encontro “dois braços à minha espera” numa casa que é portuguesa. Abraço e mimo os meus filhos enquanto penso que não há nada mais “tonal” que o riso das crianças.
Há caras que provavelmente não voltarei a ver. 
Foi o último concerto. 
A noite anoitece.
Suspensão.
Barra dupla.

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