1 de maio de 1994

Há dias em que nos levantamos de manhã cedo sem sabermos ainda que irão marcar a nossa vida de alguma forma. Assim foi no dia 1 de maio de 1994.
A ideia era ser um domingo mais ou menos igual a muitos outros, apenas com a particularidade de se disputar em Rossas pela primeira vez a “Estafeta da Paz”, inserida naquele que seria o 1.º Maio Cultural. Como se tratava de uma novidade, a juventude foi-se organizando formando um número interessante de equipas que eram constituídas por três elementos cada. Foi assim que num dos dias anteriores, no antigo recinto da escola primária onde a malta nova se juntava todos os dias ao final da tarde, eu, o Paulo das Silveiras e o Pedro do Selmo fizemos a nossa equipa. A corrida haveria de começar ao início da tarde no lugar de Saril e acabar já em Provizende e, fica aqui o registo, a nossa equipa foi a vencedora. Mas não foi isso que ficou para a história. Não é essa a memória que me chega em primeiro lugar quando recordo esse dia.
A verdade é que antes de nos deslocarmos para a prova dava ainda para ver um pouco da corrida de Fórmula 1 que passava na RTP. Confesso, o meu ídolo de infância sempre foi o Nélson Piquet que, por essa altura estava já retirado. Como o Senna, o Prost, o Mansell, o Lauda ou o Berger tinham sido adversários do Piquet eu estava naquela fase de tentar encontrar um novo ídolo para que as corridas tivessem um outro sabor. O jovem Schumacher começava a destacar-se e o carro da Benetton era cheio de cores bonitinhas pelo que começava a apostar aí as minhas fichas. E foi assim que ao despiste do Ayrton Senna a minha primeira reação foi de felicidade. Primeiro porque significava que o Schumacher ia para a frente e depois porque os acidentes eram muito mais frequentes nessa altura. Estávamos habituados a acidentes espetaculares, os motores falhavam, a gasolina acabava, os pneus estoiravam... Os carros, por vezes, ficavam desfeitos mas a imagem usual era o piloto sair pelo próprio pé como se nada tivesse acontecido. Foi assim que fiquei imediatamente após o acidente do Senna: à espera que saísse pelo próprio pé. Mas tardava em sair. Não saiu. Foi visível a cabeça tombada e o corpo imóvel. Aí sim, veio a preocupação. Não era nada disso que eu queria.
Foi com o helicóptero em pista junto ao carro do Senna que saí de casa para a tal prova de atletismo. Nessa altura não havia internet, nem telemóveis. Para onde íamos não havia forma de nos mantermos atualizados. Foi assim que no local da prova não falei de outra coisa com o amigo Paulo da Silveiras. Lembro-me de regressarmos e, ao separarmo-nos pois eu tinha já chegado a casa, termos dito um “até amanhã” e desejado que o Senna estivesse a recuperar bem num qualquer hospital. Não estava. Ligo a TV e confirma-se o pior. Não demoraram cinco minutos para o telefone lá de casa tocar. Nunca ninguém me telefonava mas, nesse dia a minha mãe chamou por mim: “É para ti. É o Paulo”. Tinha acabado de chegar a casa e era para ver se eu já sabia da triste notícia.
A Fórmula 1 nunca mais foi a mesma. O Ayrton Senna foi, muito provavelmente, o melhor piloto de todos os tempos. Fui um felizardo por poder ter assistido em direto a muitas das corridas em que se bateu pela vitória. Sobretudo os famosos duelos com o Alain Prost. Fica na memória aquela primeira vitória em 1985 no circuito do Estoril ainda ao serviço da Lotus em que chovia torrencialmente e ele deu voltas de avanço a praticamente todos os pilotos.
Obrigado Senna por hoje me voltar a lembrar dos circuitos que fazia com uma pequena tábua no chão da antiga escola primária onde fazia autênticos Grandes Prémios com caricas nas quais escrevia os nomes dos pilotos. Ainda sei muitos dos nomes e respetivos números de cor. Ou então recordo as corridas com arco e gancheta que fazíamos em volta da capela dando os nomes das mais prestigiadas “scuderias” aos arcos que tínhamos em mãos. Tempos de ouro: quer na vida, quer na Fórmula 1.
Este fim de semana vi a primeira vitória do Bottas. Esta época promete. Não será como as de antigamente mas é com o presente que se consegue honrar o passado. Ainda que o Senna nunca seja passado. Será sempre presente.
Obrigado. Ainda que continue a preferir o Piquet. Que também foi tricampeão mundial, acrescente-se.

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