A Via Sacra e a "Mãe Ciana"...

Foto: Tono, Lena, Cristina, Sérgio, Zé Mário e eu algures no início da década de 90.


Ontem foi dia de mais uma Via Sacra. Demorada, como sempre. Mas muito gratificante. O percurso é longo e há várias paragens. Tempo suficiente para caminharmos também interiormente.
A princípio “vamos pelos pais”.
As memórias mais antigas que tenho das cerimónias da Páscoa trazem-me um pregador vindo de fora. Os meus pais gostavam de estar na igreja a horas, ainda que isso significasse chegar com quase uma hora de antecedência. O Toyota Corolla branco apenas saía de casa quando a querida “Mãe Ciana” (era assim que muitos a tratavam de forma carinhosa) chegava para que os meus pais a levassem para assistir às cerimónias. A idade era já muito avançada mas recordo a sua simpatia. Foi assim durante alguns anos. Sempre. No final, ao sair do carro, depois de muito agradecer aos meus pais, rematava sempre com a seguinte frase: “Este foi o último ano. Para o ano já não vai ser preciso”. A lucidez com que se encara o adiantar da idade, às vezes, faz pensar. Mesmo assim, durante alguns anos, felizmente, não teve razão. O ano anterior não tinha sido o último e ia havendo lugar para uma outra “última vez”.
É verdade que também “vamos pelos amigos”. Afinal de contas, quem melhor para nos guiar?
Há os que estão na foto. Mas há outros. Bastantes. É impossível não os recordar. Os tempos são , de facto, diferentes. Para os mais novos será difícil acreditar que houve tempos em que os amigos se juntavam no recinto da escola primária para depois irem “em bando” para as cerimónias. Lembro em particular uma noite em que o Luís do Selmo ia a fazer rimas de forma improvisada (uma espécie de cantar ao desafio) e rimou "cavalo" com "acabá-lo". Na altura, achei uma graça incrível, de tão inesperado que foi. Até para ele que quase não conseguia dizer a última palavra por tanto rir, pois a rima tinha-lhe surgido em cima da hora. Um verdadeiro improviso.
Confesso. Dou-me conta que falhei. Por essa altura era minha convicção que nos encontraríamos sempre nesta quadra e voltaríamos a fazer bando. Continuaríamos a cantar, a ler as escrituras e a conviver antes e depois das cerimónias. Como daquela vez em que parámos na casa em frente à Guidinha para beber um copinho, recordação que tenho que agradecer à amiga Cristina “do talho”!
É verdade que também “vamos pelos filhos”.
Hoje vou com a minha filha pela mão até à capela. Pelo caminho vou-lhe falando dos bons amigos dessa altura. Já não há bando, mas o Tono apareceu ontem para cantar e à noite chefiava os escuteiros.
No fim, volto para casa com a minha filha pela mão. O bando está agora espalhado a ser feliz em outros lugares e a fazer feliz um número mais alargado de pessoas em outras tantas famílias. Tudo tem o seu tempo. Apenas tenho saudades, só isso!
Hoje é tempo de dar a mão à minha filha, já disse?
Foi assim que entrámos em casa já noite dentro. Ambos bastante cansados. Eu completamente rendido à viagem interior que me foi proporcionada. Ela, apenas muito cansada pelo longo percurso percorrido.
Um dia, acredito, há-de chegar a vez de ela descobrir esse privilégio da viagem interior. O sorriso há-de ser parecido com o que trago hoje quando se aperceber que tudo vale a pena. Porque, no fundo, “pela fé é que vamos”.
Uma Santa Páscoa para todos.

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