E tu, ainda te lembras do Castanhola?

Acontece com frequência quando volto a jogar algum daqueles videojogos que mantenho imaculado nas minhas memórias e que tão bem está desenhado na minha cabeça. Muitas vezes, por paradoxal que possa parecer, para tudo se esfumar, basta voltar a jogá-lo nos dias de hoje. Chega até a dar “medo”, imaginem. Fica-se algum tempo com a cassete ou disquete na mão até nos decidirmos. Porque há jogos que não “envelhecem” muito bem. Ficavam melhores se continuassem como os guardámos na memória. Voltar a jogá-los, muitas vezes, significa o princípio do fim.
Aqueles que tiveram o privilégio de terem passado tardes inteiras com amigos e primos a jogar Jet Set Willy, Chuckie Egg, Emilio Butragueño, Double Dragon ou Target Renegade – só para citar alguns dos que ainda se mantêm bons - certamente saberão a sensação que estou a tentar descrever.
Para um saudosista como eu, é fácil estabelecer um paralelo entre esta sensação própria do mundo dos videojogos e a relação que mantemos com os grandes amigos que fizeram a nossa adolescência e juventude.
Já aqui escrevi textos sobre alguns dos melhores amigos que tive. Alguns deles são como esses videojogos: eram tudo naquela altura da vida mas, nos dias de hoje (e não há mal nenhum nisso pois a vida leva-nos por caminhos bem diferentes), quando os encontramos, muitas vezes nem nos cumprimentamos ou, se o fazemos, não conseguimos ter uma conversa de mais de cinco minutos sem que nos sintamos constrangidos por, no fundo, ao fim desse tempo, estarmos ali a “fazer sala”. Passamos a ser pouco mais do que estranhos. E isso dói. Muito. Mesmo muito.
Mas depois há os outros, os que continuam com igual ou melhor qualidade. Mesmo que os encontros sejam cada vez em menor número. E desses, dos bons, o melhor exemplo será o Nepinhas (quase só eu tinha o privilégio de te chamar assim, lembras-te?).
Voltar a estar contigo é parar o tempo: é ter o liceu ainda na forma antiga. Quando nos encontramos logo começamos a falar das nossas memórias e o tempo nunca chega para dizermos tudo. Nunca “fazemos sala” um para o outro. E isso distingue os que são realmente grandes.
Lembro-me que fomos bons amigos e, felizmente, colegas de carteira em muitas das disciplinas. A primeira excelente memória que tive contigo (e desculpa por partilhá-la aqui) foi na nossa primeira aula ao ar livre de “Produção Vegetal” em que fazíamos um qualquer trabalho e o professor Filipe ia orientando. Até que chamou a atenção dos alunos da turma que estavam naquela zona para uns alporques e como eram feitos. Como andávamos os dois sempre a dizer piadas, quando o professor se distanciou, aproveitei para fazer aquela que seria a minha primeira tentativa de “alfinetada” dizendo uma piadinha para ti. Dizia eu: “Ó Castanhola, o professor diz que isto é uma alporca. Eu sou o “Al” e tu és a “Porca””. Mal sabia eu com quem me estava a meter. Resposta pronta do amigo Nepinhas: “Que eu saiba tu é que costumas ficar por baixo”. Gargalhada geral. Começava aí uma das amizades mais bonitas que já tive. E foram tantas as piadas que trocámos. Tantas e com tanta qualidade... Como teu colega de carteira testemunhei inúmeras graças que ias dizendo e que não haveria livro com páginas suficientes para anotar.
Sabes, tenho saudades dos dias em que, manhã cedo, atravessava o portão do liceu e a primeira pessoa que procurava eras tu. Lembras-te da minha ansiedade quando chegava mortinho por te mostrar mais um truque de cartas que tinha aprendido no dia anterior ao ver o programa do Luís de Matos? E as vezes que passávamos todo o tempo dos intervalos a recordar os episódios dos Trapalhões que, por essa altura, passavam na recém-criada sic?
E quando a professora Deolinda Pires no 12.º ano nos chamou no final da aula depois de nos entregar o primeiro teste? Nós que éramos alunos tão bons e naquele ano não estávamos a estudar nada... Até nisso fomos juntos.
A memória mais engraçada que tenho contigo, infelizmente, não posso contar aqui na sua totalidade. Fica para quando nos encontrarmos outra vez. Tínhamos acabado de entrar nos balneários junto ao campo de futebol pois íamos ter Educação Física. Estávamos já a equipar-nos e entra o Freitas a cantar “Ó oliveira da serra”... A tua resposta, que não posso reproduzir aqui, ainda hoje me provoca gargalhadas. Como aquelas que arrancaste a todos nesse dia. E o Freitas lá ficou todo corado e com o rabo entre as pernas... Mas sempre a rir-se. Sempre.
Gostavas de estar comigo e eu gostava de estar contigo. Ainda gosto. Muito.
Tenho saudades das tuas anedotas, dos teus raciocínios matemáticos, das tuas histórias passadas nos bombeiros e, sobretudo, tenho saudades das nossas brincadeiras no 12º Ano, na sala 7, junto à mesa da Carla e da Susana.
Sabes, gosto de pensar que um dia, numa outra forma de vida, Deus nos dará também a possibilidade de, como Ele, estarmos em mais do que um lado ao mesmo tempo. Se assim for, estou certo que um dos locais onde eu estarei, será nos antigos corredores do liceu com um rapaz de casaco azul e um humor inacreditável. Porque há amigos que ficam. Para sempre.
Chamam-te Castanhola. Para mim serás sempre o Nepinhas.
Parabéns amigo.

Miguel

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