E tu, ainda te lembras do Freitas?

Há dias que demoram a chegar até nós. Porque não sabemos a data exata. Apenas acreditamos que vão chegar e mais nada. E isso torna a espera mais demorada mas também o encontro final mais gratificante.
Corria o ano letivo de 1988/89 quando entrei para o 7.º ano do liceu. Muitas coisas eram bastante diferentes dos dias de hoje. As famílias eram maiores, as roupas eram mais escassas, os penteados mais originais e o meio de transporte mais utilizado para chegar à escola ainda era o autocarro.
Aos amigos de Rossas e Várzea que me acompanharam do ciclo, juntaram-se outros da freguesia de Chave. Dentre esses estava o Freitas que foi meu colega de carteira em muitas aulas e de quem tenho aventuras para contar que dariam certamente para escrever um livro.
A princípio, na nossa sala 11, o Freitas ficava na carteira da frente ao lado do Abílio (um amigo que o acompanhou da Tele-Escola) mas, como estavam sempre na brincadeira, não tardou o dia em que uma das professoras o trocou de lugar para uma das carteiras do fundo. Isso fez com que se mudasse para a carteira ao lado daquela que eu partilhava com o meu amigo Rui. Quando fizemos o nosso primeiro teste nessas condições acho que o Freitas viu aí uma pequena mina de ouro. Como nessa altura eu era um óptimo aluno, ele agora poderia trocar papelinhos comigo e melhorar as notas dos seus testes. A tática estava traçada: brincadeiras com o Abílio em mais umas quantas disciplinas, mesmo procedimento por parte dos diferentes professores e, quando me fui dando conta estava a resolver vários testes do Freitas em outras tantas disciplinas. Eu e o Rui, que também ajudava no esquema, principalmente a Matemática.
Já no 8.º ano o Rui haveria de reprovar com 3 negativas (como é que é possível?!) pelo que na transição para o 9.º ano o lugar de meu colega de carteira ficou livre. Não é difícil de adivinhar, pois não? Foi assim que na pequenina sala 28 do pavilhão 3 passei a ter a companhia do Freitas na maior parte das disciplinas. Tempos tão saborosos.
Gosto de fechar os olhos e voltar a estar lá. Para mim é um exercício muito fácil. Talvez por ser um exercício de coração. E eu fecho os olhos e volto a ver as camisas com padrões, umas calças claras (não me perguntes porquê) e, sobretudo, as sapatilhas da “Centro” que andavas com frequência. Nesse escuro que me traz o passado, chegam também as aulas de Educação Física e os célebres jogos de “turma contra turma” que animavam todas as manhãs e as horas de almoço. Nesse silêncio consigo ouvir pulos e gritos de “hora-livre” e as saídas às 18h15 onde se ia esperar a camioneta à vila.
A voz do Freitas, sei-o agora, continua igualzinha. Um timbre que reconheceria nem que outros 20 anos se passassem (mesmo que agora fales 5 línguas diferentes fluentemente). Como os tempos eram outros (nem telemóveis, nem internet entre outras coisas), durante quase 20 anos carreguei comigo a mágoa de nunca mais ter visto o Freitas. E logo ele que era como que um símbolo daqueles anos de ouro que passei no liceu. Um dos primeiros rostos a aparecer quando volto àqueles dias.
Até que fui encontrando alguns dos amigos dessa altura e fomos começando a fazer crescer a ideia de um jantar para juntar a malta dos antigos 10.º e 11.º B. E eu só pensava que alguém haveria de conseguir encontrar o rasto do Freitas. E esse alguém teria de ser eu.
Ainda não consigo disfarçar o meu sorriso quando te liguei e ao explicar-te quem falava deste lado a tua primeira reação foi: “como é que conseguiste o meu número?”. E falámos, falámos, falámos...
Foi óptimo ter-te cá em casa no domingo e saber como te vão correndo as coisas. Ver que estás diferente mas que no fundo, estás igual. Os anos passam e cada um foi fazendo a sua vida. As coisas são mesmo assim.
E o jantar há-de chegar Freitas. Prometo. Lá para Agosto de acordo com a tua disponibilidade. Será essa a vontade da grande maioria dos outros, acredito. Até para voltar a ver o Carlos pois também não lhe ponho a vista em cima desde essa altura. Mas mesmo que assim não fosse jantaríamos os dois. Para voltar a colocar a conversa em dia. Para o futuro ficar mais risonho por nos lembrarmos um bocadinho mais do passado.

E tu, lembras-te do Freitas?

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