Parabéns Pedro


Há textos que nos custam um pouco mais a começar. Queremos dizer tanta coisa que parece que apenas o conseguimos fazer se dissermos tudo ao mesmo tempo. E assim é muito mais difícil dar sentido às palavras que queremos dizer…
Foi ontem que ouvimos a Banda de Lousada a tocar o “Portugal a Cantar”. Perguntaste-me se ainda me lembrava dessa rapsódia e eu respondi-te que sim. Mas podia ter ido bem mais além. Porque aqueles sons fazem parte da banda sonora que fez os nossos melhores dias.
Sabes, há muitas coisas onde eu falho redondamente. Isso é inegável. Salta à vista. Mas se há algo em que me destaco pela positiva é a minha capacidade invulgar de recordar, quase fotograficamente, muitos dos momentos da minha infância/adolescência. Perguntas-me se me lembro do “Portugal a Cantar”? Uma pessoa vulgar e com boa memória responderia que “sim”. Mas eu não fico por aí. Porque eu recordo sempre mais um bocadinho que os outros. É por isso que enquanto perguntavas eu estava já contigo em frente a uma máquina de jogos arcade a ver jogar Tetris. O Fernando Antunes chegava com o recado que o Sr. Aristides estava a chamar para retomarmos o nosso lugar no coreto mas eu (e mais alguns músicos) pensava ser brincadeira. E lá fiquei só mais um minutinho. Foi por isso que quando regressava, já a avistar o coreto de longe, fui surpreendido pela nossa Banda a tocar o “Portugal a Cantar”. Nesse dia, como ontem, também ouvi de fora do coreto. E o Sr. Aristides, como sempre, lá aceitou o inevitável pedido de desculpas com um sorriso mal disfarçado, que era para a gente não abusar!!! Se me lembro do “Portugal a Cantar”? Claro que sim. Mas adiante…
Hoje fazes 40 anos. Somos amigos há pouco menos tempo do que isso. Por essa razão hoje não me queria preocupar com espaço, linhas, palavras ou tempo. Queria apenas preocupar-me em escrever de uma forma mais ou menos conseguida, por exemplo, o recinto da antiga escola primária ou alguns dos momentos que lá passámos nos nossos anos de ouro. Mas não consigo. Não consigo.
Já não sei há quanto tempo nos perdemos. Pouco importa. Sei que lentamente nos fomos desprendendo. Foi um processo natural. Natural e demorado. Porque, de facto, éramos bastante unidos. Não havia outra forma de distanciamento que não necessitasse grandes quantidades de tempo. É relativamente fácil vermos isso hoje, a esta distância. Até parece fácil encontrar um “antes” e um “depois” embora seja impossível encontrar uma linha nítida a diferenciar os campos.
Desculpa Pedro se hoje transformo em palavras apenas episódios desse “antes”. Estou certo que conseguiria encontrar muitos momentos únicos referentes ao “depois” onde fomos e ainda somos grandes amigos. Mas vou apenas vasculhar os tempos mais antigos onde, mais do que “grandes”, fomos também os “melhores” amigos.
E desse tempo, numa espécie de prólogo, não posso contar as nossas pequenas aventuras sem antes falar num “todo” de onde tudo começou. E esse “todo” tem a ver com “família”. Eu não seria aquilo que sou hoje se, para além de toda a minha família que gosto tanto, não tivesse sido acolhido da melhor forma possível pela família “da Domingas” ou pelas duas famílias dos “Almeidas” do Paço. E é justo fazer esta memória antes de qualquer outro texto que possa escrever. Para que o contexto se torne mais nítido.
Sabes…
Já em outras ocasiões partilhei algumas das boas memórias que tive contigo. Hoje apetece fazer um caminho um bocadinho diferente. E dizer-te que muito para além disso, lembro-me de muitas pequeninas coisas (como a do “Portugal a Cantar”) que não interessam a mais ninguém. Ninguém. E isso torna essas memórias tão especiais: o facto de, muito provavelmente, ser o único a recordá-las. Entre essas está, por exemplo, aquela t-shirt que ganhaste no antigo quiosque “de baixo” quando foste premiado num dos cromos da colecção “Esférico”. E também sei que costumavas comprar a revista “foot” em que consegui que me oferecesses parte daquele exemplar de 88 que traz o Mozer na capa com a manchete “Venha daí o PSV”. E sim, ainda tenho essa revista guardada em casa.
Tenho saudades dos videoclips que gravávamos do Top+ e das opiniões que trocávamos sobre as músicas. Sobretudo o gosto que partilhávamos pelos Queen cuja música ainda hoje me deixa em transe (e que me faz aguardar ansiosamente pelo novo cd com alguns inéditos a sair no final do ano). É a ti que devo as primeiras cassetes de tão boa música que me lembro de ouvir nas viagens feitas no velho fiat tempra do meu pai. Antes disso há ainda uma quantidade enorme de outras memórias no toyota corolla 1200 com que o meu pai nos ia buscar ao liceu todas as terças, quartas e quintas para nos levar até às inesquecíveis aulas da Banda.
Sabes… Quando tínhamos 12 anos havia dias em que nos imaginava mais velhos. Talvez com 40 anos como tens agora. Mas acabava sempre por pensar: “ainda falta tanto tempo”!!! Afinal não faltava. Tudo isso era como se de um instante se tratasse e eu não dei conta. Assim como não dei conta que à medida que a idade avança o tempo corre a outra velocidade e em múltiplas direcções. Acaba por ser uma luta impossível de vencer.
As últimas verdadeiras boas lembranças que tenho contigo são de idas ao Porto ao cinema ver “Aonde é que para a polícia 33 1/3”, “Speed 2” e “Street Fighter”, ou de uma vez em que fui à faculdade e foste comigo. Mostrei-te a rua onde morava e acabámos a jogar bilhar no café mesmo em frente.
A partir daí tudo se foi diluindo com alguma naturalidade. Reconheço a minha total responsabilidade nisso. Terá sido a minha tendência solitária a começar a manifestar-se sem eu dar conta disso. Talvez. Ou então será algo natural que faz parte do correr dos tempos. Não sei.
Por tudo o que escrevi atrás, pode não fazer grande sentido dizer-te hoje que, incentivado pelo Pepé, voltei a acabar há dias o “Rodland”. Mas a verdade é que o acabei. E lembrei-me de ti. Dizê-lo agora, pareceu-me uma boa forma de te dar os parabéns.
Grande abraço.

Schmeichel

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