Recordando os jogos da Majora


Estávamos no início dos anos 80. Lembro-me de ser muito pequenino e de estar sentado num banquito de madeira em frente à lareira numa noite qualquer. Eu e todos os outros lá de casa. Éramos apenas seis porque a minha irmã Helena tinha já adormecido uns anos antes algures onde um dia hei-de adormecer da mesma forma bem juntinho a ela.
A cozinha era acanhada mas todos conseguíamos um lugar para aquecer os pés e as mãos. Em cima de um armário branco ficava pousada uma televisão a preto e branco onde nos chegavam as imagens do único canal que se conseguia sintonizar na altura. E eu lembro-me de ser num cenário assim que o meu pai contava histórias das suas brincadeiras de infância. Como eu era mesmo muito pequenino pensava ser impossível jogar futebol com bolas de trapos, descalço, e em campos que nalgumas alturas do ano serviam também para o milho.
Entretanto, tenho 37 anos, uma mulher e dois filhos pequeninos em casa. Faltará pouco para que sejam capazes de perceber que o pai, em tempos, fazia corridas com caixas de fósforos, brincava numa escola que não tinha grades e jogava futebol num campo onde as pedras substituíam os postes das balizas. Com uma tábua desenhavam-se circuitos de F1 na terra do chão e as caricas davam vida ao Piquet, ao Lauda ou ao Rosberg que passavam ao domingo na televisão.
Tenho uma caixa com alguns dos brinquedos dessa altura onde cada peça me leva até tantas outras que se perderam com o tempo. Tenho ainda o pião que jogava nesses dias no coberto da escola e que agora o Tiago e a Rita gostam de ver girar na mão depois de ter saído com toda a força do tirante que o avô Mário domina como o melhor dos mestres que poderia alguma vez existir.
Gostava de lhes poder explicar que aqueles carritos velhos foram novos noutros tempos. E que se faziam autênticas auto-estradas nos muros da escola velha que era nova quando eu era do tamanho deles. E volto a lembrar-me daquela noite e das histórias do meu pai que falava na “sua” escola velha que é onde hoje se faz teatro em Rossas e que a minha Rita chama carinhosamente de “ensaio das cadeiras castanhas”.
Conseguirão eles acreditar que à volta da capela se faziam corridas de arco e gancheta e que no recreio da escola nos juntávamos muitas vezes às meninas para jogar à “Vitória” ou à “Macaca”? E hei-de contar-lhes mais ou menos com o mesmo tom que o meu pai usava nessa altura, os pormenores daquele dia em que me deixou comprar um baralho de cartas por 80 escudos na loja da Barroca e passou o serão comigo a jogar à bisca dos nove.
E hei-de dizer-lhes que quando o tio Zé chegava das aulas “da vila”, jogávamos muitas vezes xadrez ou aproveitávamos as peças para fazer autênticas finais europeias de futebol na alcatifa da nossa sala onde os golos eram marcados em balizas feitas com meia-dúzia de legos que andavam lá por casa.
E vai haver uma altura em que se vai notar um brilhozinho maior nos meus olhos. Vai ser quando lhes falar nos jogos de tabuleiro da Majora. Sempre me fascinaram de uma maneira que não sei traduzir em palavras. A minha estreia nessas lides foi através de um loto de trânsito e de um dominó que chegaram lá a casa num Natal. Era um vício tremendo. Depois chegariam outros como o Jogo do Assalto que consegui obter nas famosas trocas que se faziam na escola e que o meu pai fazia o favor de jogar comigo e cujo tabuleiro ainda sobreviveu até aos dias de hoje. O meu preferido, que ganhei num passatempo organizado pelos Jovens de Rossas nessa década de 80 quando o edifício do Centro ainda estava em tijolo, chamava-se “Sport Goofy” e é aquele que podes ver na foto acima. Terão sido milhares as vezes que festejei golos com uns dados assim na mão. O jogo original não resistiu ao passar dos anos mas esta minha insistência para trazer as boas memórias para junto de mim fez com que através de um leilão na internet conseguisse comprar um jogo igualzinho e com o interior completamente novo. Apenas a caixa deixa adivinhar que passou tanto tempo. E está tudo ali guardado num armário. Para daqui a uns anitos, poucos, se a vida me deixar, marcar alguns golos com a Rita e o Tiago à moda antiga. Será a minha forma de prestar a minha homenagem à Majora.
É que este texto começa com uma colega de trabalho a dar-me conta da falência da Majora. Notícia que a internet há muito confirma (tenho andado distraído). E de repente tudo surge à tona. Mesmo que notícias recentes venham dar conta que a marca foi comprada pelo “The Edge Group”. São eles que têm agora nas mãos algumas das melhores memórias da minha infância que gostava de poder contar aos meus filhos com o mesmo encanto com que as guardo.

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