Como colocar um professor no país da "cunha"...


Na terça-feira estive na margem sul. Saí de casa por volta das 9h15m pois do outro lado da ponte 25 de Abril estava à minha espera uma entrevista numa escola que precisava de um professor de matemática. E é essa a história que vos trago hoje.
Concorrer às chamadas "ofertas de escola" através da internet tornou-se um processo penoso. Depois de centenas de candidaturas fico sem saber muito bem se hei-de rir ou chorar com a esperteza saloia de critérios de selecção que temos obrigatoriamente de preencher e que variam de escola para escola de forma mais rápida do que um qualquer vira-vento em dias de temporal. Não sei se acontece apenas comigo mas confesso que ainda não percebi porque raio existe uma "lista de graduação profissional" se, para efeitos de colocação (salvo raríssimas e honrosas excepções), tudo importa menos o nosso maldito lugar nessa mesma lista. Gosto particularmente do "já ter leccionado ao 10.º ou 11.º anos" pois imagino o candidato na primeira posição da lista a ter o azar de nunca se ter cruzado com tal destino e penso o que iria na cabeça dele: "Raios!!! Então eu sou o primeiro e só por nunca ter leccionado esses anos já me estão a tramar?!!" (Claro que a palavra usada não seria bem "tramar" mas este ainda é um blogue decente e não posso utilizar aqui certos termos que seriam mais apropriados)... E nesta situação, nem sei bem porquê, lembro-me sempre da conferência de imprensa do José Mourinho quando foi apresentado como treinador do Benfica e lhe perguntaram mais ou menos isto: "Então não acha estranho que o Benfica tenha contratado um treinador como o senhor, sem nenhum título no currículo?" ao que o José Mourinho respondeu, e muito bem, mais ou menos isto: "Diga-me um treinador que nunca tenha treinado e que tenha títulos no currículo e eu depois respondo-lhe a essa pergunta"... Não preciso dizer mais nada, pois não?
Mas voltando aos critérios... Apesar do já referido ser um critério interessante um dos meus preferidos é, sem dúvida, o "já ter trabalhado na escola ou no agrupamento" que, de quando em vez, para o lugar não poder escapar à pessoa que está destinada, vem acompanhado de "... no ano lectivo anterior ou continuidade pedagógica"... Mais uma vez desato a rir e penso que seria muito mais justo escreverem no critério: "Candidato cujo nome comece por João, termine em Almeida e pelo meio tenha Artur Vasconcelos e que tenha nascido, de cesariana, em Dezembro num dia de sol..." (o nome foi escolhido completamente ao acaso, ok?). E continuo a rir...E os nossos governantes e deputados sabem isto tudo! E eu continuo a rir...
Na televisão passa uma notícia que diz que um estudo revela que Portugal é um país onde a "cunha" está instalada. E eu continuo a rir agora de forma mais veemente. Mas precisavam mesmo de um estudo para isso?!!!
Bem... Mas o que tem a ver tudo isto com a minha ida à margem sul do Tejo? É simples. Numa dessas muitas candidaturas que fiz fui seleccionado para uma entrevista numa escola (Muita atenção! Apesar da estupidez da maior parte dos critérios que se encontram nas chamadas "ofertas de escola" este é, sem qualquer sombra de dúvida, o mais injusto e ESTÚPIDO!!!). Quando me ligaram para marcar a entrevista ainda tentei saber se valeria a pena a minha deslocação mas a voz que falava do outro lado não se deixou descair e lá ficou marcado para o dia seguinte a minha presença em terrenos próximos da capital. Apenas por um "descargo de consciência" decidi comparecer. Fiz, nesse dia, mais de 700 Km gastando mais de 100 euros e lembro o caro leitor que sou um candidato a emprego, logo, DESEMPREGADO (e os deputados sabem destas entrevistas). Como se não bastasse o enorme transtorno de deslocação tão longínqua, pasmem com o que queriam saber os respectivos entrevistadores... Deixo apenas mais ou menos o conteúdo das duas questões essenciais da entrevista.
Director: O senhor já leccionou o 11.º ano?
Eu: Sim. No ano de estágio e ainda numa outra escola onde estive (não vou mencionar nomes aqui no blogue).
Director: Se ficar cá colocado o senhor fica cá a morar ou vai a casa e vem todos os dias?
Aí apeteceu-me responder: e o senhor o que tem a ver com isso? É a escola que vai pagar as minhas deslocações? O importante não é que eu esteja cá a tempo e horas e que cumpra o meu trabalho?
No entanto, de forma educada, limitei-me a responder:
Eu: Terei que ficar cá. Repare que para estar presente nesta entrevista tenho de fazer mais de 700Km.
Director: Mas então se tiver de começar a dar aulas amanhã vai dormir aonde? Debaixo da ponte?
Eu: Como deve calcular não vou alugar um quarto ou uma casa sem saber se fico com o lugar até porque há mais candidatos. Se for o escolhido certamente que resolverei esse problema.
(...)
Já na saída pergunto quantos são os candidatos ao que o Director me responde enquanto sorri entre dentes: "São 16000".
Como já devem ter percebido não fui o candidato escolhido. Passado cerca de uma hora estava uma senhora toda simpática a ligar-me da escola para me agradecer por ter ido à entrevista mas que tinha sido outro o candidato escolhido. Despedi-me de forma simpática e desliguei.
Conclusão: além da imbecilidade da maior parte dos critérios de selecção que circulam por essas "ofertas de escola" ainda somos "obrigados" a ir a uma entrevista onde acham crucial para uma boa actividade lectiva se eu vou morar na cidade ou se venho a casa todos os dias. Mais comentários para quê?!!!
Sei que é impossível resolver estas situações. E sei-o porque apenas conheço uma forma de as solucionar. Sabem qual (estou a ser irónico)? Era acontecer com o filho de um qualquer ministro o mesmo que aconteceu comigo. Garanto que no próprio dia esses critérios estúpidos desapareciam logo. Mas, infelizmente, isso é impossível. É que normalmente os filhos dos ministros já nascem "secretários de estado"...

Miguel Brandão

P.S. - Segundo indicação no site destinado para o efeito, foi colocada uma candidata cuja graduação profissional é menor que a minha. Ora digam lá se toda a história ainda não ficou mais engraçada...
No entanto, apenas estou revoltado com o facto de me terem "obrigado" a fazer tantos Km para nada. Podiam tê-lo feito sem me obrigarem a sair de casa. Aliás, já há algum tempo que estou a tratar de espetar um valente "biqueiro" na matemática. E, nesse campo, o destino parece que me está a sorrir...

5 comentários:

ESVOANDO disse...

Boa tarde. Desculpa o comentário de ontem. Apenas quis chamar a atenção para as repercussões que o exprimir de um estado de alma pode trazer. Deves compreender que existem coisas que só devemos desabafar com os botões ou com o travesseiro. O mundo é como é. Devemos conhecer que de pouco adianta travar certas batalhas. Não que não tenhas o direito a indignares-te. Não que não tenhas o direito a expressar o que sentes. Mas talvez devas avaliar antes de avançar. Pensar no que podes colher. É apenas uma opinião.

sara disse...

Olé!
Realmente... há coisas que dão vontade de "espetar um murro na mesa" :)
Infelizmente, é o país que temos.
Dias melhores virão, há que acreditar!!
Boa sorteeeee....

Anónimo disse...

Boas!!
Antes de comentar este post que meteste, gostaria de discordar com o "ESVOANDO" disse. Se todos nos calarmos é que este país não mudará!!! é verdade que o Miguel pode sofrer repercussões, mas repercussões piores das que já passou??!! é difícil!!
Acho muito bem mostrares a tua indignação e posso te dizer que se fosse comigo aquele director não tinha esboçado um sorriso sequer...porque eu não seria educado como tu foste (sempre foi mais fácil para mim ser antipático que simpático:P)!!!

Esta situação que partilhaste connosco, infelizmente é o "pão nosso de cada dia" em Portugal, mas não só...é uma cultura entranhada da sociedade contemporânea que dificilmente mudará...pelo menos tão cedo!!! Por isso mesmo, é que eu sou apologista e defensor nato de que devemos lutar por fazer aquilo que realmente amamos na vida porque só assim esta tem sentido e, só assim, teremos forças para enfrentar a vida numa sociedade onde a justiça não existe.

Como se costuma dizer "quando se corre por gosto não cansa"...até ver, mas sempre demoramos mais tempo a cansar-nos e sobretudo viveremos mais felizes connosco próprios.

Por isto tudo e, conhecendo-te minimamente, segue o teu talento e o teu sonho...segue a MÚSICA!!! Uma coisa te garanto serás muito mais feliz e terás muito mais forças para lutar contra a tal sociedade de CUNHAS!!!!

LUME

BwT_Rossas

P.S. - Ou então segue a via das apostas da BWIN:P:P:P:P hehe

sara disse...

Apoiado LUME!!! : )
Queremos a música do Miguel!!!
Queremos... porque sim!!
eheheh

Bora lá Miguel!! Dá-nos música!!

jcerca disse...

Este voo do "Avião de papel" é mesmo de antologia, a antologia da estupidez, já que retrata, e muito bem, a estupidez de um sistema de ensino, anacrónico, burocrático e estupidificante!
Pena é que tais situações corram o risco de nos roubarem um excelente professor de matemática! Mas, quem sabe? Pode ser que na troca nos surja um músico ou um seguidor de Gil Vicente. Nunca se sabe o que oi futuro nos reserva!