45 Anos - My Back Pages

Quando eu era pequenino, havia uma coisa a que os adultos chamavam infância. 
Em casa, o ídolo de sempre era o meu irmão. Com ele jogava à bola no corredor de casa, mesmo levando uns ralhetes da minha mãe. Ou fazíamos autênticas finais europeias onde os jogadores eram peças de xadrez e as balizas feitas de pequenos legos. Aprendi a explorar a capacidade inventiva. As minhas irmãs também me mimavam muito por ser o mais novo pelo que as minhas memórias são as melhores possíveis. Era o tempo da cassete com música da Banda Musical de Arouca que a minha irmã Isabelita colocava no gravador ou da leitura apressada da revista “Juvenil” que chegava pelo correio para a minha irmã Cristina. Gostávamos de fazer muito em conjunto. Uma das partes preferidas da casa era a gaveta onde o meu irmão guardava as cadernetas de cromos que, de vez em quando, me autorizava a consultar na sua ausência. Lá se viam os ídolos da equipa principal do Benfica, o Ruy o Pequeno Cid ou os aviões saídos dos invólucros das chiclas “Pirata”. Era o tempo dos serões à volta da fogueira, a confraternizar, sentado no colo da minha mãe ou a jogar à bisca dos três com o meu pai. Rezava-se o terço e depois via-se a telenovela, o Poirot, o Raio Azul, os Soldados da Fortuna ou o 1,2,3 onde esperávamos com alguma ansiedade as rábulas do saudoso Fininho e ficávamos a torcer pelo Arnaldo e pela Rosete enquanto o Carlos Cruz dizia o célebre “e ainda”...
Felizmente, o recinto da escola primária era ali mesmo ao lado. Era lá que se juntavam amigos de todos os lugares da freguesia ao final do dia. Era o tempo dos treinos para as corridas da Festa de Nossa senhora do Campo. Dos lados das Senras e da Portela, chegavam a trazer estacas de madeira com pregos onde se colocava um foguete que servia de vara a transpor. Era assim que jogávamos ao salto em altura como se fôssemos autênticos atletas olímpicos. Uma forma de termos ali mesmo ao pé o Fernando Mamede, a Rosa Mota ou o Carlos Lopes que nos faziam ficar colados ao pequeno ecrã. Ainda trago na memória os arcos que adornavam os dias de festa e que eram deixados junto ao muro da escola com cerca de uma semana de antecedência. Para nós isso era ótimo pois funcionavam como um verdadeiro escorrega.
Era também o tempo da mudança de casa (a distância, felizmente, era mínima) e das finais europeias do meu Benfica, aí já no ciclo preparatório, onde vivi o meu primeiro amor, com troca de bilhetinhos, cuja interlocutora ainda hoje me desperta uma enorme afeição.
Depois haveria de chegar a adolescência e também o ZX Spectrum e o Commodore Amiga. Memórias inapagáveis de bons amigos e de deliciosos momentos passados em frente a um monitor. Num dos aniversários os meus pais compraram-me uma bicicleta, que ainda existe e que ainda hoje guardo como um dos presentes preferidos.
Era o tempo dos ensaios de teatro, do grupo coral dos mais pequeninos, do grupo de jovens e das aulas de piano em São João da Madeira aos sábados.
Depois vieram tempos muito difíceis na universidade atenuados pelas memórias únicas da minha primeira namorada. Primeira e última, acrescente-se. A verdade é que já vamos em 25 anos e eu continuo a apaixonar-me todas as manhãs.
Vieram ainda idas em conjunto a França, à Alemanha, a Espanha, entre passeios, atividades e festivais com amigos que jamais esquecerei.
Depois vieram os filhos. O melhor que me poderia acontecer. A quem tento deixar o exemplo, mesmo não tendo o engenho. E que anseiam por um pai que consiga passar mais tempo em casa. Será, de coração, a minha próxima missão.
Os tempos mudaram. As responsabilidades aumentaram. Talvez por isso é que Deus nos põe esses novos desafios quando já estamos nos 45. Para sermos capazes de os concretizar.
Hoje festejo 45 anos de gratidão. Já não tenho a força da juventude para tocar várias violas ao mesmo tempo. Que eu saiba discernir o pouco que ainda serei capaz de dar. A inspiração chega através do Bob Dylan e de uma canção que ouvia muito na minha adolescência: “My Back Pages”.
Aqueles dois versos não me saem da cabeça. São eles a minha motivação.

“Ah, but I was so much older then
I’m younger than that now”


Um abraço sentido a todos os meus amigos. Obrigado por esta linda viagem.

Miguel

3 comentários:

Su disse...

Parabéns Parabéns Parabéns 🎈
Beijinho 🎉

António Matos disse...

You're amazing. Thanks for being my friend. God bless you today and always.

Berta Lima disse...

Um grande abraço, Miguel!