O professor Albino e o Orfeão da Escola Secundária de Arouca

Foto:
Orfeão da Escola Secundária de Arouca no salão dos Bombeiros Voluntários de Arouca na primeira metade dos anos 90.

Cheguei ao antigo liceu no ano letivo de 1988/89. Diziam os papéis afixados nas janelas de um dos pavilhões que iria frequentar as aulas da turma do 7.º I. Tinha uma vida nova pela frente. As rotinas não seriam muito diferentes do ano letivo anterior: apanhar o autocarro logo pela manhã na paragem da Barroca, ir em pé, qual sardinha enlatada, a ouvir o António Sala e a Olga Cardoso no programa despertar e depois acordar para o dia no convívio com os colegas e ao som da voz dos professores que nos calhavam em sorte. Apenas o edifício era diferente, tudo o resto era parecido. Havia o bónus, claro, dos novos colegas de turma que eram sempre recebidos de braços abertos, sobretudo para jogar à bola logo pela manhã. Na hora de almoço, a fila da cantina era ainda maior mas, na companhia dos melhores amigos, o tempo pouco importa. No final do dia continuava a esperar-se no centro da vila a camioneta que nos levava de regresso a casa onde encontrávamos os tais “dois braços à nossa espera” como a Amália tão bem eternizou na “Casa Portuguesa”. E temos de ser francos: mesmo sendo geralmente bem comportado tenho de fazer aqui um reconhecimento público aos condutores dos autocarros. Deveriam ser elevados à categoria de santos tais eram as tropelias que tinham de nos aturar. Era este, assim “grosso modo”, o cenário que se poderia pintar aquando da minha chegada ao sétimo ano de escolaridade.
No liceu, o presidente do Conselho Diretivo era o querido professor Albino. Aprendi, em boa hora, a seguir-lhe o exemplo. Há aquelas pessoas que reconhecemos como modelo. Que, dentro do seu modo de vida, nos transmitem serenidade e admiração. Desde cedo o coloquei nessa “prateleira” e, diga-se a verdade, não me dei nada mal com isso. Pelo contrário: recolhi sábios ensinamentos e exemplos de vida. Claro que, sendo eu aluno, estava obviamente do outro lado da barricada. Por isso era comum entre os alunos, nos corredores, ouvir-se o carinhoso nome de “Ovo Estrelado” em lugar de professor Albino. Era o nome de código que num dia qualquer alguém se lembrou de utilizar como alcunha de tão prestigiada personagem.
Lembro-me da primeira vez que o professor Albino se cruzou comigo num dos corredores do liceu era eu um dos alunos mais pequeninos da escola e, por isso mesmo, andava ainda a descobrir as artérias do novo edifício. Deu-me um bom dia acompanhado de um sorriso ao qual retribui com um sorriso envergonhado.
Lembro-me ainda de um ano letivo em que tinha de andar “à boleia” para fazer o regresso a casa pois os horários da escola não eram coincidentes com os dos autocarros. Numa dessas vezes foi o professor Albino que nos levou (a mim e ao Bruno) tendo feito um interrogatório mais ou menos pormenorizado para averiguar porque é que estávamos a regressar dessa forma e não de autocarro mostrando-se sensível ao nosso ponto de vista. Tudo isto, creio, a bordo de um Citroen AX vermelho (perdoem-me se a memória, desta vez, me está a atraiçoar).
Durante o meu percurso pelo liceu era ainda usual as colocações de alguns professores saírem muito tarde. Havia sempre uma ou duas disciplinas que ficávamos algumas semanas ainda sem professor. Aconteceu no 10.º ano a psicologia. Foi assim que durante uns quinze dias, talvez, o professor Albino foi o nosso “stor” de psicologia. Foi nesse mesmo ano que chegou a ter uma conversa séria e responsável com a nossa turma, no início do ano letivo, pois iríamos ter a professora Laurinda a transmitir-nos os conhecimentos na disciplina de matemática. Lembro-me perfeitamente de pedir a nossa colaboração e compreensão. Confesso que nunca mais vi a professora Laurinda desde os meus tempos de liceu. Gosto de imaginar que está bem e que a vida, a partir de certa altura, terá deixado de ser madrasta com ela. É desta forma que a abraço em muitas das viagens que faço pela memória.
A recordação maior que trago do professor Albino tem a ver com o orfeão que orgulhosamente dirigia. Ainda hoje admiro a forma como esse orfeão era criado. O apelo chegava através de um aviso levado às salas pela mão das funcionárias. Todos os interessados eram convidados a dirigir-se ao edifício da cantina no intervalo maior da manhã. Era impressionante a quantidade de alunos que abdicava do tempo desse precioso intervalo para fazer parte do orfeão. À nossa espera estava o professor Albino. Os exercícios de aquecimento de voz eram feitos a correr (o tempo era escasso) e, quando esta começava a fraquejar e a tosse aparecia ele pedia-nos para tentarmos conter a tosse e engolir saliva. Parece que ajudava a “olear” as cordas vocais. Lembro-me de cantar a “Pompa e Circunstância” de E. Elgar ou o “Va Pensiero” de Verdi.
Quando se tem um gene mais voltado para a solidão, como parece ser o meu caso (ou para o "ensimesmismo" como já me disseram), há lugares, pessoas e tempos aos quais gostaríamos muito de voltar. O intervalo das 10h15 que trazia os ensaios do orfeão dirigidos pelo professor Albino é, certamente, um bom exemplo de tudo isso. Deixou-me memórias de (e com) pessoas que jamais ousarei apagar.
Caro professor Albino, agora vale o que vale, mas queria que soubesse que a semente lançada à terra nessa altura deu bom fruto. Serviu de exemplo. Dos bons.
Muito grato, professor. Muito grato.

Um simples aluno, daqueles que gostou muito de andar na escola.

Miguel Brandão

Nota:
Foto gentilmente cedida pela enorme amiga Carla Tomé juntamente com outras duas fotos dessa mesma atuação.

4 comentários:

Unknown disse...

Miguel, permite-me acrescentar que, uns anos mais tarde no final da década de 90, o professor Albino além do coro dirigia a orquestra da escola secundária de arouca composta por jovens músicos das 3 bandas do concelho. Julgo que os ensaios eram ao final da tarde de um qualquer dia da semana depois se terminadas as aulas.
Abraço

Carlos Azevedo disse...

Miguel, permite-me acrescentar que, uns anos mais tarde no final da década de 90, o professor Albino além do coro dirigia a orquestra da escola secundária de arouca composta por jovens músicos das 3 bandas do concelho. Julgo que os ensaios eram ao final da tarde de um qualquer dia da semana depois se terminadas as aulas.
Abraço

Miguel Brandão disse...

Obrigado pelo complemento de informação. Como isso já não foi no meu tempo não me recordo. Aumenta ainda mais a razão de ser do meu pequeno texto e da minha grande admiração pelo professor Albino.

Vitor Arouca disse...

É verdade Carlos. Estava mesmo a lembrar-me disso. Meia dúzia de "rapazolas", lembraram-se de criar uma "banda" na Escola Secundária de Arouca formada por músicos das 3 bandas do concelho, mas precisavamos de um maestro. Quem poderia ser? Pois claro.. o nosso amigo Prof. Albino. Logo se prontificou a ajudar-nos. Julgo que fizemos 3 concertos. No colégio em Gaia, no 25 de Abril em Arouca e outro na Celadinha. :D