O meu concerto dos Queen

Corria o ano de 1985.
A livraria Ferreira era ainda em frente à praça. Era lá que, juntamente com o meu irmão, comprava carteiras de calendários de Fórmula 1. Uma coleção da Impala com um total de 76 calendários e que o meu irmão, creio, ainda tem guardada de forma imaculada. O meu irmão sempre foi um ídolo para mim. Ensinou-me e viveu comigo muitas das melhores coisas que vou levar desta vida para a eternidade. O fascínio pela Fórmula 1, e pelo Nelson Piquet em particular, é uma delas. Mas essa não era a única coleção disponível na altura. Na livraria Ferreira havia uma outra coleção de calendários, também da Impala: “The Top Disco Stars”. Essa ficou a cargo da minha irmã Cristina. Eram, ao todo, 81 calendários. Na altura, aos sábados, passava na televisão o programa “Top Disco” onde se podiam ver as tabelas de vendas. Embora não fosse ainda um fã de música, gostava de tentar adivinhar quem estaria a liderar a tabela. Não, não me lembro de ver os Queen. Mas lembro-me muito bem de “I Just Called to Say I Love you”, “Last Christmas”, “Nikita”, “Still Loving You” ou “We Are the World”, por exemplo, terem liderado a tabela dos mais vendidos. Por isso também me interessava por essa coleção. Lembro-me que alguns dos meus preferidos eram alguns dos mais extravagantes, mesmo sem lhes conhecer qualquer música. E é aqui que surge a minha primeira memória dos Queen. A foto escolhida, ao contrário da maioria dos outros artistas, era de um concerto ao vivo onde o Freddie aparecia deitado no chão a cantar. A imagem nem sequer estava muito nítida. Lembro-me de dizer à minha irmã que aquele calendário não era grande coisa ao que ela me respondeu: “o calendário pode não ser mas olha que eles têm músicas fixes”. Esta será a memória mais antiga que tenho dos Queen.
Mas, vamos ao concerto...
Dizem que foi no dia 7 de junho na Altice Arena mas, na verdade, esse concerto, para mim, começou muito antes. Pelo menos, há muito tempo que vinha a ser preparado. Creio que esse início se deu em 1991. Foi quando despertei para a música e, em particular, para os Queen.
Gosto muito do ano de 1991 pois traz-me de novo o Sérgio, o Tono e o Pedro. Eram os meus amigos inseparáveis. Éramos os verdadeiros quatro cavaleiros do Apocalipse. Partilhámos um sem número de aventuras que, a fazer lembrar as palavras da Carolina Deslandes, julguei durarem para a vida toda. Brincávamos juntos na Escola, andávamos juntos no Grupo Coral, no Grupo Cultural e Recreativo de Rossas, na Banda Musical de Arouca e até no extinto Grupo de Jovens onde, em 1994, cantámos aquela saudosa canção da Sara no Palácio de Cristal.
O meu pai tinha comprado um leitor de vídeo e não demorou muito a que eu começasse a seguir os conselhos do amigo Pedro. Foi ele que me colocou o bichinho de ver o Top+ aos domingos ao início da tarde onde costumava gravar os melhores videoclips para rever as vezes que quisesse. Quis o destino que na primeira vez que vi o Top+ com o vídeo prontinho a gravar passasse o videoclip da “Bohemian Rhapsody” dos Queen. Fiquei completamente rendido. Não apenas a uma música mas a toda uma obra. O Freddie acabaria por morrer em novembro desse ano e as vendas dos “Greatest Hits I e II” dispararam. Não tardou a que ocupassem os dois primeiros lugares dos tops. Lembro-me de pensar: “agora que os descobri é que isto acaba”?!! Não podia estar mais enganado. Estava apenas a começar. Havia tanto a descobrir. Apenas tinha de fazer o caminho ao contrário. E assim fiz. Felizmente ainda não havia internet e isso fez com que as coisas fossem aparecendo a um ritmo natural. Aos poucos fui descobrindo mais uma e outra canção. E mais outra. E mais outra...
E eu creio que, para mim, o concerto do dia 7 de junho começou aí, em 1991. Por isso, talvez não seja exagerado dizer que terei sido o primeiro a chegar à plateia. Muito antes de ter entrado no comboio com a Odete.
Quando os Queen e o Adam Lambert estiveram no Rock in Rio em 2016 ponderei ir ver mas, confesso, o facto de não ter o Freddie nem o John fez-me ficar “de pé atrás”. E depois, pensava eu, vou ficar tão longe do palco que, para ver apenas uns pontinhos lá ao fundo a mexer, não vale a pena. A verdade é que, às vezes, as boas memórias devem ser deixadas em paz para que as consigamos guardar da forma imaculada que as recordamos. Nesse dia, em 2016, assisti a todo o concerto na sic radical, em direto, deitado na minha cama. À medida que o concerto avançava dei comigo a desejar estar lá. Como poderia ter falhado? O concerto estava a ser bom e eu, um dos maiores fãs, tinha resolvido ficar em casa.
Até que veio esta oportunidade do passado dia 7 e eu, desta vez, não podia falhar. Mesmo que só me tivesse realmente decidido nos últimos dias. Até a mãe de um dos meus amigos de infância, a Dona Eduarda, me ofereceu dinheiro para o bilhete. Como poderia colocar a hipótese de não ir?!
Foi o melhor concerto da minha vida. Sem jantar para conseguir um lugar perto do palco soube, assim que entrei na Altice Arena, que aquele ia ser “o dia”. Afinal de contas estava só a meia dúzia de metros do palco. Aquele onde dali a pouco iriam estar o Brian e o Roger. Meio sonho de uma vida ia ser cumprido. Do lado de fora tinha já cumprimentado o Sérgio, não o da minha meninice, mas o outro, o de Chave, que fez teatro comigo e agora é profissional da arte em Lisboa. Já devidamente instalado recebo mensagem da amiga Catarina que também está do lado de dentro da Arena (e, sejamos justos, do lado de dentro dos Queen) e procura saber de mim. Infelizmente estamos em lados opostos pelo que o encontro foi impossível. E como eu gostaria de ter partilhado com ela algumas das músicas...
Antes de ouvir os primeiros acordes tento adivinhar na minha cabeça as canções que me serão dadas a ouvir dali a pouco. Dizem que o concerto celebra ainda os 40 anos do álbum “News of the World” e eu penso que é desta que vou ouvir “Spread Your Wings”, uma das minhas canções favoritas. Infelizmente essa profecia não se veio a concretizar.
Na minha bolsa de apostas, “Hammer to Fall” iria iniciar o concerto. Tiro ao lado. Nem sequer seria tocada naquela noite.
Até que o estrondo começou tendo o palco surgido após aparecer a imagem do tal robot que foi capa desse álbum de 1977 a dar um murro virtual naquilo tudo. Um espetáculo visual e sonoro que me deixou com a boca aberta largos minutos. De tal forma que quando dei conta “Tear it Up”, “Seven Seas of Rhye” e “Tie Your Mother Down” tinham já passado num ápice.
Num concerto onde tudo foi bom é difícil destacar alguns pontos. Mas o primeiro verdadeiro ponto alto talvez tenha sido com “Don’t Stop Me Now”. Por momentos corpo e alma separaram-se. No palco não estavam os Queen. Estava, isso sim, aquela cassete que me gravaste em 1991 onde este “Don’t Stop Me Now” era ouvido em modo "repeat" enquanto pensava na menina que amava em segredo.
Ainda eu não tinha recuperado o fôlego e surge o Adam a cantar “Bicycle Race” sentado em cima de uma bicicleta e eu a lembrar-me daquele concerto onde tive o privilégio de estar em palco com uma banda de tributo em que me pediste para tocar campainha nessa mesma canção.
Haveria de chegar pouco depois “I Want it All” e eu passei o tempo todo a recordar aquele aniversário onde me deste as cassetes de vídeo “Greatest Flix I e II” que me fez descobrir novos videoclips que até então desconhecia completamente.
Por mim o concerto podia ter parado já ali que tinha valido a pena. A emoção estava em alta e o Brian desarma-me completamente com o “Love of my Life” que me remete para um momento único com a Odete, algures em 1996. Descobri esta canção apenas em 1992, quando saiu o álbum “Live at Wembley 86”. Desde essa altura tentei, deitado no sofá de minha casa, com o som no máximo, de olhos fechados, estar “lá” a cantar. Passados todos estes anos consegui cumprir o sonho.
E os êxitos foram-se seguindo, um após outro, num concerto de sonho.
Quando “Bohemian Rhapsody” chegou já eu tinha lembrado várias vezes nessa noite aquele dia em que comprei o álbum “A Night at The Opera” na 31 de Janeiro em que abrimos o CD com aquela curiosidade descontrolada para vermos a letra da canção na íntegra.
Como era previsível, o concerto fechou com “We Will Rock You”, “We Are The Champions” e “God Save The Queen”.
Houve tempo para o Freddie aparecer “virtualmente” várias vezes levando a plateia ao rubro.
Saí da Altice Arena com a sensação de dever cumprido. Embora tenha ficado bastante triste por em nenhum momento da noite se ter falado no John. Nem uma imagem. Nem uma palavra sequer. E isso não se faz. E bem que o poderiam ter feito quando tocaram alguns dos êxitos que saíram da sua cabeça.
Deitado na cama do hotel, ainda em transe, agradeci interiormente cada momento daquela noite. Agora posso fechar definitivamente a porta da minha adolescência. Posso fechar a porta àqueles que foram os dias da nossa vida.

"Sometimes I get the feelin'
I was back in the old days - long ago
When we were kids when we were young
Things seemed so perfect - you know
The days were endless we were crazy we were young
The sun was always shinin' - we just lived for fun
Sometimes it seems like lately - I just don't know
The rest of my life's been just a show"

Para os curiosos, aqui fica o alinhamento do concerto:

Tear It Up
Seven Seas of Rhye
Tie Your Mother Down
Play the Game
Fat Bottomed Girls
Killer Queen
Don’t Stop Me Now
Bicycle Race
I’m in Love With My Car
Another One Bites the Dust
Lucy
I Want It All
Love of My Life
Somebody to Love
Crazy Little Thing Called Love
Under Pressure
I Want to Break Free
Who Wants to Live Forever
Last Horizon
The Show Must Go On
Radio Ga Ga
Bohemian Rhapsody
We Will Rock You
We Are the Champions
God Save the Queen
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1 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo.


Como é bom saber que os Queen influenciaram tantos jovens...

Muito do que escreve, repetiu-se comigo.

Eu acordei para os Queen talvez em 97/98 com "A kind of Magic".

Depois, os meus pais foram-me explicando o contexto e fui percebendo que, afinal, muitas das músicas que eu conhecia ("we are the champions",...) eram dos Queen.

Depois comprei um livro dos Queen, e percebi que o Freddie tinha morrido em 24 de novembro. Não sei, mas era capaz de afirmar, com toda a certeza, que me lembro do dia que ele morreu. Digo isto porque é a data de casamento dos meus avós e lembro-me de estarmos a jantar e dos "adultos" falarem que "morreu o...". Pode ser confusão minha, mas fico feliz em saber que existe essa hipótese de, realmente, eu me lembrar.

Depois comprei uma cassete, depois tive uma aparelhagem e foram CDs... e depois estampei uma camisola com o "logo" dos Queen.

Uma infância feliz, contudo, diria 99% isolado, porque, tirando uma infeliz situação de um amigo!? (que acabou por estragar a minha primeira paixão, precisamente no dia 14 de fevereiro, e que teve uma VHS do concerto de Wembley à mistura) mais ninguém sabia quem eram os Queen.

Escusado será dizer que os CDs que comprei foram todos dos Queen, contudo, sem grande critério, até porque não sabia muito bem a sequência em que tinham saído. Comecei com "greatest hits I" e logo de seguida para "live killers". Por aqui já se percebe.

Hoje em dia é muito mais simples eu explicar ao meu filho os Queen, quem é o "senhor que é parecido com o avó", ver uns vídeos no youtube...

A tecnologia é enganadora, permite-nos estas coisas, mas retira-nos magia à vida.

Só mais tarde (após o meu pai me convencer) é que comecei a apreciar Pink Floyd, Supertramp, Led Zeppelin,...

Não sei como seria ver o Brian e o Roger e alguém a querer substituir (no meu entender) o FREDDIE MERCURY, no entanto, acredito que seja mágico ao vivo o que vi em livro e na televisão.

A minha mulher também aprendeu a gostar de Queen e, nem de propósito, casamos no dia 5 de setembro... e, claro está, com Queen à mistura. A música que fecha o DVD do casamento é "these are the days of our lives".

Muito haveria para contar.

Peço desculpa por estas linhas, mas, no meu entender, eram inevitáveis.

... de Guimarães!