Muito obrigado, Sr. "Malcriado"

Foto da Banda Juvenil em 1984 com o Rosentino ao cimo, ao centro, com uma bóina...

Entrei para a Banda Musical de Arouca como aprendiz em 1986. Fui colega de praticamente todos os rapazes da foto acima de quem guardo episódios que só quem passou por aquela casa consegue imaginar. Como músico da Banda já participei em centenas de serviços, uns mais difíceis que outros, mas todos com as suas histórias engraçadas para contar.
A última vez que saí fardado de casa foi ontem para me despedir de ti. É estranho sair pela porta sem precisar de levar boné nem instrumento ou as músicas da caderneta. Estreei-me como músico (com direito a farda e tudo) no ano de 1988 onde logo no primeiro dia me baptizaram de Cebolinha, nome que ainda hoje continua tão popular naquela casa. Foi nesse mesmo ano que entrou também o Mauro, o teu neto, que acompanhavas para todo o lado. Lembro-me de terem sido bastante mais generosos com ele em termos de apelidos o que levou a que a certa altura lhe perguntassem: "Afinal qual é o teu apelido?" ao que ele respondeu com uma graça invulgar: "Chaka Zulu, Porta-chaves, Zagui, Coca-cola da Silva".
Ontem estavas diferente mas não será dessa forma que te irei recordar. Dizem que as primeiras memórias, muitas vezes, são as que ficam. Talvez seja por isso que te recordo sempre mais ou menos como na foto acima: com aquela boina clara, o teu cabelo penteado um pouco para trás, uma corrente que se prolongava até ao bolso das calças e o teu rosto sempre um pouco suado também por andares constantemente a ajudar-nos a carregar com as "tralhas" que levávamos por essas festas fora. Eras o nosso "Bate Palmas", o nosso adepto número um. Também por essa razão não escapaste ao "baptismo" e todos te chamavam carinhosamente de "Malcriado". Ontem deu uma enorme saudade desses tempos que nem imaginas... Ontem, no fim da nossa despedida, estive quase para me voltar a sentar naquelas escadas em frente à Biblioteca onde antes era a nossa casa de ensaio. Isso, na esperança de que ao voltar a olhar para o sítio que antes era das "regueifeiras" voltasses a aparecer na nossa "princesinha do agreste", aquela tua carrinha Opel acastanhada e que tu chamavas de "Ópela" pois era uma carrinha e não um carro. E é essa mesma carrinha que assume um papel importante numa das melhores recordações que tenho dos tempos de Banda. Acabavas de chegar à casa de ensaio e ao avistarmos a tua carrinha a aproximar-se lá ao longe logo nos organizámos para fazermos um cerco à carrinha. Depois era abaná-la com todas as nossas forças para que nem conseguisses sair. E foi o que fizemos, creio que comandados pelo sempre brincalhão "Salsicha" que também gostava muito de ti e que, curiosamente, voltei a encontrar ontem na tua despedida. Sei que demorou um pouco mas quando as nossas forças começaram a falhar lá conseguiste sair da carrinha e enquanto soltavas umas gargalhadas foste em direcção ao mentor da ideia e disseste a célebre frase que eu ainda hoje utilizo muito na Banda com os mais novos até para ver se a "mística" passa para os vindouros: "Vai-te f**** antes que eu me esqueça". Foi gargalhada geral como era quase sempre quando confraternizávamos contigo. Fossem as histórias de outros tempos que partilhavas connosco fosse através do amor à música que demonstravas a cada porção de ar que inspiravas.
Quando estive dois anos fora da Banda lembro-me de teres vindo conversar comigo tentando-me demover da minha decisão. Hoje sinto realmente a mágoa de não o teres conseguido. Mais do que nunca queria ter-te feito a vontade. Sei que não vale de nada até porque o tempo não volta para trás mas quero que saibas que se fosse hoje tudo teria sido bem diferente.
Recordo ainda quando me tiraste as medidas pois íamos ter direito a uma nova farda e do brilho que trazias nessa altura nos teus olhos. São ainda precisos os dedos de muitas mãos para se poderem contar as vezes que nos abraçámos e que falámos de música. Desde cedo percebi a admiração que tinhas por mim e que ainda ontem a tua neta me lembrava enquanto a cumprimentava olhando para ti uma última vez. Era uma admiração recíproca. Era, é e continuará a sê-lo.
Contigo aprendi muito do que é ser músico nesta casa. Espero ser capaz de o transmitir aos mais novos da mesma forma que foste capaz de o deixar plantado em mim. Sim, porque o tempo passa também por mim. Talvez já não tenhas ido a tempo de saber que o Valdemar agora toca Clarinete Baixo pelo que do naipe de clarinetes "normais" eu sou já o músico mais antigo. É esse um dos sinais dos tempos. E desculpa se dei cabo da carreira brilhante que me tinhas predestinado. Talvez estivesses só a ser simpático. No fundo, ambos sabemos que eu não percebo nada de música...

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