O "parente" de Sequeiros disse-nos adeus. Saiu de cena. Disse a sua última deixa e esperou de forma tranquila o derradeiro fechar do pano.
Aquele a quem nos primeiros tempos nos referíamos como o avô do Sérgio ou do Elísio rapidamente se tornou no Sr. Brandão. Tive a felicidade de partilhar o palco com ele e de beber da sua sabedoria a cada ensaio realizado. E foram tantos e tantos... E não me recordo do Sr. Brandão ter faltado a qualquer um deles. Mais do que isso: era o actor mais pontual. Ainda que para o Sr. Brandão a pontualidade fosse chegar pelo menos quinze minutos mais cedo. Era o tempo de estacionar a carrinha no adro da capela, voltada para a estrada e sempre no lugar habitual. E ali ficava até que chegassem os outros porque o primeiro era sempre ele. Ainda o consigo ouvir a dizer "Boa noite meus senhores" com aquela voz arrastada que lhe era tão característica. Lembro-me perfeitamente de uma dessas tantas ocasiões em que, juntamente com outros, ainda em pleno adro da capela enquanto esperávamos que chegassem os mais atrasados a conversa se foi desenrolando até que se falava acerca das notícias que correm de boca em boca. O Sr. Brandão ouviu, ouviu, ouviu e acabou por rematar: "quem quiser que alguma coisa se saiba basta que o conte ao melhor amigo". Esperou pelos nossos risos e concluiu: "mas tem de contar em segredo que é para a notícia se espalhar ainda mais depressa". Ora digam lá se isto não dá que pensar?!!
A primeira peça de teatro onde contracenamos foi o "Aqui há Fantasmas" de Henrique Santana (Ai que saudades). O Sr. Brandão deu vida ao Professor Hermes cujo resultado das suas mirabolantes experiências era testado no ingénuo Chico Mota interpretado por mim. Apesar de termos os textos estudados é quase inevitável não recorrer ao improviso. Eu serei dos que mais abuso nesse aspecto. O Sr. Brandão também tinha muita habilidade para isso e nunca se desmanchava quando em plena actuação as cenas começavam a seguir um caminho contrário ao previsto. Bem pelo contrário: nem um sorriso deixava escapar. Era incrível a sua capacidade de conter o riso. Mais do que isso: mantinha-se sempre sério. E apesar de conviver bem com o improviso o Sr. Brandão era dos que mais interrompia nos ensaios para chamar a atenção a pormenores que o envolvessem. Mesmo que no dia da actuação as coisas não se processassem da mesma forma com que tinham sido concebidas nos ensaios, ele gostava de estar bem seguro de quando tinha de levantar uma cadeira ou apenas dar um espirro, pormenores que à primeira vista poderiam ser mais secundários mas que o Sr. Brandão gostava de ter bem presentes.
E depois houve ainda a cereja no topo do bolo com o papel do Bispo no "Médico à Força" com aquele discurso em latim macarrónico a dar à peça o grande final que ela merecia. E tudo parece ainda tão presente...
O Sr. Brandão saiu de cena. O pano fechou-se. Deste lado resta o burburinho do público e as palmas que jamais hão-de acabar. Porque para nos despedirmos de pessoas como o Sr. Brandão tem de ser pelo menos com uma ovação de pé.
Até já.
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