Tu tens muita água...

* Nota prévia:
Lembro-me de já te ter dito, várias vezes, que há coisas que não se podem “pedir”. Mesmo assim, hoje, vou arriscar e pedir-te que leias este post até ao fim. Mesmo que seja um post “virado para mim”. Mas lê. Por favor. Porque este post também é para ti. E porque ia gostar muito de saber que tinhas passado por cá. Ainda que não te possa pedir que gostes… Um enorme abraço!!!


“Podemos esquecer aqueles com quem rimos; mas nunca, nunca esquecemos aqueles com quem chorámos”.

Estranho, muito estranho…
Poderia jurar que a noite há muito escureceu e que nada mais resta aqui do que o pouco de mim que ainda se mantém acordado…Mas não! Não! Porque quando este texto começa, o sol ainda penteia de luz o verde vivo da pequenina erva que dança no campo onde me encontro. Porque “hoje” não é agora. “Hoje” é dia 26 de Julho de 2007, uma quinta-feira. Lembras-te? Pela mão, levaste-me até à Capela de Nossa Senhora do Campo para me ofereceres um dos dias mais felizes que tive nesta vida. E, embora saiba que não é nada disso que procuras, não posso deixar de te agradecer. Obrigado.
Hoje, imagino o “quanto” fizeste para me esconder essa alegria. Imagino todo esse tempo em que transportavas sozinha uma “felicidade” que sabias já me pertencer. Talvez por isso tenhas feito questão de me levares pela mão fazendo com os teus pés o mesmo caminho que abrias aos meus. Lembro-me de te ter feito muitas perguntas das quais te foste “desviando” como melhor soubeste e pudeste. Porque os teus próprios olhos me pegavam ao colo daquela maneira que só o Amor consegue possibilitar. Só quando cheguei à porta do fundo e vi todas aquelas capas pretas, no chão, à espera de serem pisadas, a olharem para mim, é que compreendi… Antes que entrasse na capela passando por cima de tão nobre “passadeira” a meus pés estendida, fizeste soar a “Balada de Despedida de Ciências – 1994”. Foi nessa fracção de segundo que me dei conta da dimensão do momento que estava a viver. Enquanto caminhava pelo “corredor” acima até ao meu lugar habitual (junto do grupo coral) abracei-te com o olhar. A ti, a ti, a ti e a ti… Vi caras de risos, de ternura, de lágrimas, de amizade, de satisfação, de gratidão, de presença, de cumplicidade, de bondade… E lembro-me de te ouvir cantar enquanto eu estava ali, no meu lugar, ajoelhado, a chorar para mim… Mil imagens iam passando à minha frente, à cadência de fracções de segundo, mas houve uma que se ia repetindo constantemente no meu cérebro: “Nunca um Homem é tão grande como quando está de joelhos”. E voltei a chorar compulsivamente pois estavas a fazer tudo para me “engrandecer” e eu ali, ironicamente, de joelhos. Lembro-me de que, nesse primeiro momento, pensava nos meus pais. Porque foram os que, desde o princípio, me mostraram como se deve caminhar na vida. E eu só podia estar eternamente grato por isso. Porque apesar de me estares a oferecer essa eucaristia de final de curso partilhada por toda essa gente simples que eu amo, sei que não estavas a fazê-lo pelo “matemático” nem pelo “professor” (ou “professor Rui”, como carinhosamente sou tratado na escola). Sei que a tua presença se deveu unicamente ao “Miguel”. Todo o teu esforço foi apenas para ele e por ele. Porque sabias que podias voltar com a “máquina do tempo” para trás e irias ter muita dificuldade em encontrar um momento em que te disse um “não”. Porque sabias que o pouco que “sou”, apesar de pouco, foi sempre todo teu. Todo. Porque te disse “sim”. Não uma, nem duas, nem três vezes. Terão sido bem mais do que setenta vezes sete. Sempre. Sempre. E eu não me recordo de um outro dia em que tenha deixado transparecer tanta felicidade sob a forma de lágrimas. Não me recordo. E só conseguia pensar em todos aqueles rostos que tinha visto durante a entrada e em como tinham deixado as suas coisas para estarem ali comigo.
Lembro-me que enquanto o Pe João Pedro ia fazendo a homilia (que tão bem costuma preparar) eu ia-me lembrando de pequeninos episódios vividos durante todo o meu tempo de estudante e em como queria muito que sentisses o que estava a sentir. E recordei, em especial, duas “histórias” que marcaram profundamente a minha vida e que apresentavam muitas semelhanças com o meu percurso universitário. Mas adiante…
A eucaristia prosseguiu e, na parte final, a minha querida irmã Isabelita leu um pequeno texto para mim que ela havia redigido e que me parecia abraçar a cada palavra saída. Quando acabou de ler, lembro-me de lhe ter agradecido com o olhar.
Mas ainda não tinha acabado… O Pe João Pedro chamava-me ao altar dizendo que ainda existia uma última surpresa. E foi já junto do altar que recebi da Odete a bengala e a cartola de “finalista”da digníssima Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. E eu não podia deixar de agradecer toda esta surpresa. Não podia. Por isso me preparei para falar e tu sentaste-te. E tu sabes que quando falo me emociono facilmente. Antes de falar, lembro-me de ter respirado fundo e de teres soltado um pequeno sorriso. Lembro-me que as minhas primeiras palavras foram para te agradecer o facto de me teres oferecido este momento na minha “segunda” casa que eu gosto tanto. E eu estava ali a falar para ti de um lugar que eu conheço tão bem. A dizer-te que estava surpreendido, emocionado, que não estava à espera que tudo o que sucedeu realmente sucedesse. E então lembrei-me de partilhar contigo as “histórias” e episódios que me fui lembrando enquanto o Pe João Pedro fazia a homilia. Lembro-me de lhe ter pedido desculpa por ter estado desatento e dele ter deixado escapar um sorriso espontâneo e compreensivo. E então comecei realmente a falar-te do que me ia na alma. Comecei a dizer-te o mais que conseguia, embora fosse uma infinitésima parte das milhões de palavras que pulavam, algures, dentro de mim. E lembro-me de ter feito uma espécie de introdução baseada nas palavras que me disseste certo dia: “Sabes de que são feitas estas lágrimas?”. Foi com base nessa frase que me dei conta de que muitos de vós não faziam ideia do que realmente estavam a “festejar”. Porque não fazias ideia que estudei na faculdade durante mais de dez anos. Porque não sabias que fazia o meu caminho para a faculdade, para a cantina e para “casa” sempre sozinho e que o fazia várias vezes ao dia. Sempre sozinho. Sempre. Durante dez anos. Porque foram muitas as vezes que reprovei. Porque não sabias que, muitas vezes, estudava de joelhos, por falta de condições. Porque, sem saber, cantava sozinho durante esses tempos “mortos” para enganar a solidão. E foste tu que me fizeste ver isso numa das poucas vezes que te encontrei na cantina e que tive a felicidade de almoçar contigo… E eu ri-me quando dei conta. Porque… Porque… Porque… E dei comigo a perguntar-me se tu saberias “de que são feitas essas lágrimas”… Saberias?!!! E tudo isso me fez lembrar a história que te contei:

“Um certo dia, numa comunidade pequena, faltou a água que provinha de um único poço existente no centro da aldeia. Os populares tentaram abrir outros poços mas começaram a sentir uma certa dificuldade em encontrar água. O chefe da aldeia resolveu então chamar um vedor para que descobrisse um local na aldeia onde pudesse ser feito um furo, mas… com a certeza de ser encontrada água! O vedor chegou à aldeia, pegou no seu pequeno pauzito bifurcado e começou a percorrer lentamente os poucos metros quadrados que davam corpo à pequena aldeia. Quando passava num dos lugares mais afastados do centro da aldeia, mesmo por cima de um penedo, o pequeno pau deu sinal de água. O homem parou, sentou-se, e ficou uns minutos em silêncio a olhar fixamente o pequeno pau que não parava de dar sinal. A certa altura, levantou-se, voltou-se para os homens que o acompanhavam e disse:
- Aqui tem água! Cavem aqui! Aqui tem muita água!
- Aqui? Neste penedo?
- Sim. Aqui. Aqui tem muita água! Aqui tem mesmo muita água!!!
Mal acabara de dizer estas palavras, meteu o pauzito na sacola que trazia presa à cintura e começou a caminhar em direcção contrária à da aldeia. Os homens insistiram:
- Mas quer mesmo que cavemos aqui? Como saberemos se encontraremos água? E se não encontrarmos?
O homem voltou-se, soltou um pequeno sorriso e, enquanto pousava o olhar sobre o centro do penedo e punha o dedo em riste a assinalar o local, voltou a dizer:
- Aqui tem muita água! Tem mesmo muita água! Procurem. Daqui a algum tempo passarei por cá para ver como estão as coisas.
E, dito isto, partiu sem mais nada dizer até a sua silhueta ir desaparecendo através da linha do horizonte.
Passadas algumas semanas o homem voltou a passar pela aldeia e logo todos se acercaram dele pedindo explicações pois já tinham cavado bem fundo e não tinham conseguido nem uma gota de água. Até já tinham escavado noutros sítios e, pelo menos nesses, ainda conseguiam alguns baldes ainda que escassos. Impávido e sereno, o homem apenas disse:
- Cavaram bem fundo? Então cavem ainda mais fundo. Bem mais fundo. Porque aqui (voltou a indicar com o dedo em riste) tem muita água. Mesmo muita água! Mesmo muita água!
E voltou a partir assim que acabou de proferir estas palavras.
Diz a história que aqueles homens voltaram a cavar no mesmo local. Desta vez mais fundo. Uma vez, duas vezes, três vezes, muitas vezes. Ainda bem mais que muitas vezes. Todas as vezes que foram precisas. E acabaram por encontrar água! Muita água! Mais água do que em qualquer outro local da pequena aldeia.”


Lembras-te da história?
Lembro-me de te dizer que, a caminho da faculdade, muitas foram as vezes em que me recordei desse vedor. A cada dia de solidão, retribui com mais de mil “pazadas” dadas bem dentro de mim. A cada dia de solidão sentia-me tornar num penedo cada vez mais duro. Mas não me cansava de repetir que não estaria só. Certamente que não. Não me cansava de repetir que dentro de mim “havia muita água”, embora tudo parecesse seco visto da superfície. Hoje, dia 26 de Julho de 2007, confirmo aquilo em que sempre acreditei (algumas vezes com mais dificuldade, outras com menos). Não estava só. Não estava. E a prova és tu que estás comigo aqui hoje. Aqui e agora.
Lembro-me de também apontar o dedo a ti, a ti, a ti, a ti e a ti… E lembro-me de ter dito que Cristo também te repete: “Tu tens muita água! TU tens MUITA água!” E lembro-me de te dizer que o segredo está em não te cansares de procurar. Sempre. Todos os dias…
Para melhor te deixar aquilo que queria dizer, lembro-me que usei ainda uma simples “imagem”. A “imagem” dos copos, lembras-te? Disse-te que via as diferentes pessoas, mais ou menos como os diferentes tipos de copos que existem… Copos largos como os de whisky, compridos como os de champanhe, pequeninos como os de vinho do porto… Copos grandes, pequenos, maiores, menores, largos, estreitos… E lembro-me de te ter perguntado: “Mas se um copo grande e largo como os de whisky estiver cheio e se um copo pequenino como os de vinho do porto também estiver cheio, ninguém me sabe dizer qual é o que está ‘mais cheio’, pois não?”. Lembro-me que sorriste e não respondeste. Porque percebeste aquilo que tinha para te dizer. Disse-te apenas que me ia esforçando por manter o meu copo “cheio”. Não por mim… Mas por ti. Porque são os outros que “bebem de nós”.
A eucaristia chegava ao fim e, com ela, vieram os abraços apertados. Entre muitos, de gente que sempre caminhou comigo e outros que há algum tempo não via porque a vida é mesmo assim. Recordo com um carinho especial aquele abraço que me deste acompanhado de lágrimas e das palavras: “Ó Miguel, eu gosto tanto de ti! Eu gosto tanto de ti! Tu sabes, não sabes?”
Sei amiga. Sei. É por isso que és a minha melhor amiga e que pode o mundo dar mais de milhões de voltas que eu nunca vou deixar de gostar de ti também dessa forma.
Já à saída da igreja tinhas um lanche preparado para mim e juntos comemos e cantámos aquelas canções que nós sabemos.
E não…Não me esqueci!!! Junto com a bengala e a cartola entregaste-me um vídeo e um dvd com preciosos “depoimentos” de tão ilustres amigos. Foi bom demais poder sentir todo aquele carinho já deitado na cama embrulhado em meia dúzia de mantas… E tinhas ido ao Porto filmar todos os locais por onde passava nessas caminhadas solitárias. Todos aqueles pequenos sítios que acabaram por me marcar de uma forma bem mais profunda do que poderias imaginar. E tudo isso acompanhado da “Balada de Gisberta” que eu te tinha confidenciado que me transportava para esses tempos de faculdade em que calcorreava esses caminhos silenciosos. E lembro-me que fechaste com chave de ouro… Com uma canção que fizeste para mim… Só para mim!!!

“Numa história tão comprida como a nossa
Não há porta de saída que me possa
Expulsar da tua vida que é tão nossa
Como tu, ninguém!

Como é bom poder olhar para trás
Ver-te no que de melhor fui capaz
Descobri contigo o que o amor faz
Não sei viver sem

Tu és o melhor que me pôde acontecer
És a certeza que não vou morrer
A regra dos dois simples por escrever
Foste tu que me ensinou a ser
Tu és, tu és
P’ra mim

Era uma vez um reino só teu
Escolheste para princesa eu
Estar contigo tem um sabor a céu
Como tu, ninguém!

Quando fico assim cansada da estrada
É a ti que eu vejo sempre na bancada
A torcer igual se sou tudo ou nada
Não sei viver sem

És a razão que me chega
P’ra eu querer ser melhor
Amanhã do que fui
No dia anterior
Quando um dia eu abrir
O baú do amor
Tu serás eternamente
Sei-o hoje
E d’hoje em diante
O tesouro maior”

Resta-me dizer-te OBRIGADO.
Obrigado por teres oferecido um dia assim a um “pobre homem”.
Obrigado.
Acredita que, mais do que um sabor a eternidade, tudo teve sabor a “ressurreição”.
É por isso que compreendo bem o Jorge Palma quando ele diz: “Encosta-te a mim, nós já vivemos cem mil anos…”
Sim! Acredita que já vivemos mais que isso. Bem mais. Muito mais. Infinitamente mais.
Amo-te.
A ti, a ti, a ti, a ti e a ti…

6 comentários:

Anónimo disse...

Olá! Ainda bem que gostaste tanto... Receei várias vezes! A preparação de tudo foi também muito importante para mim, não só porque é bom quando nos empenhamos em fazer os outros felizes, mas também pelos testemunhos das muitas pessoas que foste "regando" com a tua água e que se tornaram melhores por te terem conhecido! São tantas... tu sabes! Um grande beijinho!

Rui Santiago cssr disse...

Posso dizer OBRIGADO também?...

Oh, deixa, deixa... Obrigado por ti, Amigo!

Obrigado por ti!

Anónimo disse...

Boa noite...
Por vezes passo por aqui e deparo-me com algumas coisas comuns... Gosto de ler o que publicas... Vejo que vem mesmo do fundo.

Continua Assim Rui... Conheci-te a pouco tempo, mas o pouco que conheço de ti, deu para perceber que és e serás sempre um grande amigo... Presente e atencioso sempre que os amigos precisarem.

Continua assim... Um grande abraço deste teu "recente" amigo.

By: AFF

sara disse...

Sim... tu tens mesmo muiiiiiiiiita água... e o que é melhor disso tudo é que essa água é pura, cristalina...por isso gostamos de a "saborear"...
Seres "tu mesmo" faz de ti alguém muito especial, com quem gostamos de estar(ser)... mas tu sabes disso! :)
É bom partilhar contigo tanta coisa, e aprender... aprender contigo, sobretudo a tua fé... (tu também sabes)...
"Mil abraços" :)

Catarina Pinho disse...

Nem sei o que dizer Miguel... Estou profundamente enternecida, aliás, tal como fico sempre que leio um texto teu... E eu prometo que, por muito que me custe, eu vou cavar bem fundo para tentar encontrar essa água que está a escassear na minha vida... E hei-de conseguir. Por Deus que hei-de conseguir! Obrigada por tudo!

Um grande abraço,
Catarina

Unknown disse...

Maravilhoso texto. Simplesmente maravilhoso.