"Campo da Igualdade"...

Silêncio.
Hoje não chego a levantar voo. Deixo as minhas asas à cabeceira da cama e volto a calçar uns pés ao meu verdadeiro eu. Mesmo que me digam que estás lá no alto. Porque falam de um alto, tão alto, que jamais poderei alcançar. E chamam-lhe paraíso. Mas eu não. Eu não. Eu sei que o paraíso não é, de certeza, aí. O paraíso, a ser um lugar, seria, certamente, aqui dentro, onde te trago. Onde te abraço a cada instante. Onde te choro a cada lembrança tua.
Saio de casa apoiado nos meus próprios pés e caminho. Caminho contigo. Mesmo sem estares ali a meu lado. Porque recordo muitos dos meus dias e vejo a tua sombra reflectida no chão, quando a luz das minhas lembranças incide sobre todos os meus momentos felizes. Momentos meus, mas que sempre quis tornar nossos. Porque sempre me lembrei de ti nessas alturas. Sempre. Sempre. Sempre.
Caminho, lembras-te? Sinto que estas pessoas que me vêem passar e me cumprimentam não sabem que caminho contigo. Quando muito, pensam, ingenuamente, que caminho para ti. Porque pensam que, aquilo que resta de ti, está no local para onde me desloco. Nada de mais errado. Porque estás aqui dentro, lembras-te? E tudo de ti que eu trago comigo é que será talvez o que resta de ti. Porque foi também aqui, bem dentro de mim, que ressuscitaste. Dentro de mim e de todos aqueles que te amam e que te continuam a querer. Como sempre. E eu rio-me ao lembrar-me desses que pensam que caminho para ti. Desculpa-me, mas não consigo evitar. Sinto até que também soltas um sorriso cúmplice enquanto acompanhas estas minhas passadas. E chamam-lhe cemitério. Ao lugar onde julgam encontrar-te. Mas nós chamamos-lhe de forma diferente, não é? Para nós é o “campo da igualdade”. É assim que o conhecemos e é assim que melhor o reconhecemos nas nossas muitas conversas.
Sabes…
“Há dias em que nos apetece olhar para trás… Olhamos e descobrimos acontecimentos mais fortes, mais marcantes, daqueles em que nos olhamos e que nos transformam de tal forma que nós somos “antes daquilo” e somos “depois daquilo” de um modo diferente e renovado… Claro que não descobrimos essa diferença no click do acontecimento, só quando deixamos o tempo fazer o melhor que sabe e que é “fazer tempo”! Por isso é que ficamos um pouquinho tristes porque, quando nos damos conta da importância de um acontecimento, já não nos lembramos do dia em que foi porque já “faz tempo” que aconteceu!”
Continuo a caminhar. E partilho contigo estas palavras da Odete. Porque muitas vezes te falo nela. Talvez seja a forma que encontrei para que assim a pudesses conhecer. E recordo o primeiro dia em que te chorei. É, sem dúvida, um desses tais dias marcantes em que o tempo se divide em “antes daquilo” e “depois daquilo”.
Sinto falta. Muita falta. Quero provar do teu colo, beber do teu riso e deitar-me no teu abraço. Quero ter-te junto de nós. Onde pertences. Por isso te trago sempre comigo. Neste pequeno paraíso que preparo, todos os dias, para ti. E penso, muitas vezes, no dia em que também eu nascerei de novo. Contigo.
Caminho. Com passadas curtas e silenciosas. Contigo. Como sempre.
E chego ao tal campo. Ao “nosso” campo. Vou parar por aqui. O resto da conversa fica, agora, só para nós os dois…
Silêncio.
Até já!

* Porque hoje, a minha irmã Helena, faria 35 anos de vida. Até sempre.

Miguel Brandão

19 de Abril de 2007

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