Fernand Fontaine e as aulas de solfejo às 18h...

Não tenho a certeza absoluta do verdadeiro motivo que me levou um dia a ingressar na Banda Musical de Arouca. Recordo-me de estar na cozinha da minha casa antiga e dos meus pais me tentarem convencer a "ir para a banda". Nessa altura, o meu tio Zé (Sr. Soares) ainda andava por lá e lembro-me desse ser o argumento mais utilizado para me tentarem persuadir. Embora fosse um forte motivo, ainda hoje estou convencido que a razão maior dessa insistência terá sido a mesma que me fez aceitar fazer essa experiência: o meu amigo Pedro ia mesmo "entrar para a banda". Depois de conseguirem arrancar o "sim" da minha boca, os meus pais encarregaram o meu tio Zé de falar com alguém da banda para saber o dia em que teria de me apresentar pela primeira vez. Estávamos em 1986 e já não sei o dia ao certo. Apenas sei que era uma terça-feira. No antigo Toyota Corolla do meu pai, lá arrancámos para a antiga casa de ensaio onde funciona hoje parte da biblioteca municipal. Foi nesse dia o meu primeiro contacto com o músico arouquense que eu mais admiro: Valdemar Noites. Como eu já sabia umas coisitas de música que me tinham sido ensinadas pelo meu pai ele deu-me (à experiência) a primeira folha do livro de solfejo de Fernand Fontaine. Fiquei de estudar a primeira lição em casa e teria de me apresentar no mesmo local no dia seguinte embora às quartas-feiras o professor fosse outro: o "Neco". Desse primeiro dia recordo ainda a presença do Pedro que ainda consigo ver chegar com a sua mochila às costas.
No dia seguinte, muito envergonhado, lá entrei na sala de ensaio. Lembro-me de todos estarem curiosos para ver como se saía o "caloiro". Talvez por isso quando chegou a minha vez o silêncio na sala tenha sido sepulcral. Pois bem... A minha prestação acabaria por ser imaculada, sem qualquer engano e num andamento rápido demais para as habituais performances aí realizadas. A plateia tinha ficado convencida. "Este rapaz vai dar bom"... Uma profecia que, embora tarde, acredito que ainda seja alcançada.
E foram tantos os rostos que fizeram esses dias. Pena serem poucos os que ainda por lá andam. Mas os caminhos da vida são mesmo assim e acredito que todos eles ainda recordam com saudade esses tempos de ouro em que o Valdemar ainda tinha um renault 5 preto e o Neco vinha dar as aulas de bicicleta... Não me atrevo a enumerar os nomes pois iria certamente esquecer alguns. Um ano depois o Valdemar achou que eu já estava à altura de experimentar um instrumento. Sempre me aconselhou o bombardino. "Tu tens cara de bombardino", dizia ele. E eu só me ria. O que eu queria era um instrumento. Acabei por ficar com uma requinta, mais por influência do meu tio do que por vontade própria. Mesmo depois de já estar com a requinta, numa das aulas voltei a experimentar o bombardino. Tive o azar de nesse dia não conseguir tirar o dó grave. Ainda hoje o Valdemar pensa que fiz de propósito para ficar com a requinta. Não o censuro por isso. Mas foi apenas uma estranha coincidência. O que eu queria era levar um instrumento para casa. E até gostava bastante do bombardino. Paciência...
E porque vos venho falar hoje destas coisas?
Porque ontem, passados mais de vinte anos, entrei pela primeira vez na casa de ensaio da banda como professor de solfejo. A partir de agora serão outras as caras e serei eu a ensinar a contornar todas as pequenas armadilhas que o Fernand Fontaine deixou plantadas nos mais de 200 exercícios que o seu livro contém.
A História é feita de pessoas mas, o que me toca profundamente, é reparar (principalmente no que a mim diz respeito) que as pessoas também são feitas de História...
Um abraço.


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