A minha homenagem ao Valdemar


"Ser músico é trabalhar o instrumento todos os dias, é pôr-se permanentemente em questão, é duvidar. É a instabilidade feita estabilidade. Um dia encontra-se, mas no dia seguinte é preciso voltar a procurar. Há conquistas mas nada é definitivo. A música é um fantástico instrumento de trabalho sobre nós próprios. Muito exigente, mas que dá prazer!"


Olá professor.
Não consigo hoje pensar noutra palavra que não seja a palavra obrigado. Não consigo. Tento ordenar as ideias na minha cabeça, estruturar acontecimentos e memórias marcantes e continuo sempre com a mesma palavra a martelar na minha cabeça o tempo todo: obrigado.
Se calhar o melhor que posso fazer é começar do início. E o meu início foi há pouquinho, em 1986. Numa terça-feira no meio de tantas outras tivemos o nosso primeiro encontro. Deste-me a primeira folha do Fontaine enquanto trocavas umas palavras com o meu pai e o meu tio Zé (o sr. Soares). A partir daí as boas memórias foram-se amontoando sempre em bom ritmo até aos dias de hoje.
Num tempo em que ainda era fácil ter amigos ou pertencer a um grupo, o Pedro sempre foi a minha âncora. Foi com ele e com muitos outros, que extravasam em muito os da foto de 1984, que gravei as minhas primeiras memórias.
Começaste por aparecer na minha vida num renault 5 preto que se haveria de transformar num opel corsa vermelho e num seat ibiza branco. Estou certo que desses primeiros dias hás-de ainda recordar aquele em que chamaste o João ao que ele haveria de responder:
- Eu não sou João. Eu sou Luís.
- Não és João?
- Não. Não sou João. Eu sou o Luís.
- Então como é o teu nome todo?
- João Luís...
Não são precisas mais palavras, pois não? São lembranças deliciosas que ficam e que são difíceis de agradecer. Quando me lembro dos primeiros tempos recordo sempre esse episódio e o outro em que o Mauro tinha aulas à quarta com o Neco mas à terça era com o senhor doutor professor Valdemar. E dá uma vontade de voltar a ser pequenino... E mesmo assim não chega. Queria, para além de ser pequenino nunca mais crescer. Mas não posso, pois não?
As caras são muitas mas ainda me recordo de quase todas, mesmo daqueles que apesar de aprendizes nunca haveriam de chegar a vestir a farda como o Cabaça ou o Vilar.
É fácil ver-te sentado numa cadeira em cima de uma das caixas verdes de madeira que existiam para transportar estantes. Era lá que testemunhavas os nossos progressos a cada lição bem estudada. Às vezes com barbas, outras sem elas, e muitas vezes com um casaco escuro que andavas frequentemente. E havia dias em que calhava a um dos pequeninos ir comprar tabaco (leia-se rebuçados) naqueles períodos de tempo em que deixavas de fumar. Dizias que eu comia palhetas e que tinha cara de bombardino. E eu ainda bem me lembro de um Concertino em Mib que me deste para eu estudar na requinta.
Tenho saudades das aulas passadas a dar escalas ou a responder aos teus rigorosos questionários: O que é uma pauta? Qual a ordem dos sustenidos e dos bemóis? O que é para ti a música? E tantas, tantas outras perguntas que muitas vezes me faziam esconder a cara atrás da estante acreditando ingenuamente que assim não davas pela minha presença.
Não conheci o Freitas Gazul mas são muitas as lições do Fontaine onde muitos dos compassos estão ainda de cor na minha cabeça: a lição 4, a 29 ou a 50...
Confesso que nesses primeiros tempos era um privilegiado pois nos ensaios à noite ficava ao teu lado. Desses ensaios guardo com mais saudade as melodias dos Bailados Egípcios e as cadências que fazias na Rapsódia Húngara n.º 2 e que desde aí soube nunca ser capaz de igualar.
Entretanto o tempo foi passando e parte do que fui foi-se desmoronando aos poucos. Cheguei a estar dois anos fora da Banda e, nos primeiros anos após o meu regresso, reconheço que fui um músico pouco cumpridor. Muito pouco. Mesmo assim foste deixando que eu continuasse. E eu nunca hei-de esquecer isso. Encaro-os como momentos em que me foste dando a mão quando eu julgava que não necessitava.
Depois haveria de chegar o meu sobrinho para me amparar. No meu cantinho, discretamente, vou-me rindo com o célebre "Where is my book?" ou quando fazes a carismática brincadeira da cara séria e da cara risonha que não está ao alcance de qualquer um.
As tuas capacidades são tantas que houve até quem pensasse que eras estrangeiro e te chamasse de Vladimir... Eheh!
Hoje os dias são necessariamente diferentes. As minhas forças são outras. Em menor quantidade e com muito menos convicção. E eu tenho de continuar a dizer obrigado. Porque foram também estas pequenas coisas que me fizeram continuar. Sim, é verdade. Acredito que ser Valdemar seja difícil mas ser Cebolinha também não é fácil.
Hoje trabalho na Biblioteca, no edifício que antes era a nossa casa de ensaio. Passo os dias no lugar que antes era do Sr. Silvino. Uma honra. No meio de todas aquelas estantes e secretárias ainda vislumbro frequentemente os dias de outros tempos. Sou um felizardo.
Antes de terminar, passo ainda pelo youtube onde estão vídeos da antiga Banda Juvenil que disponibilizei em dvd a muitos dos músicos há uns tempos atrás. Tenho pena de um dos temas que me deixa mais saudade não se encontrar registado. Faço uma pesquisa rápida pelo mesmo youtube e logo encontro uma outra banda a tocar esse tema. Embora com desafinações, aqui o deixo em jeito de despedida. Serei o único a lembrar-me disso?
Raios, tantas palavras escritas e continua sempre a mesma palavra a martelar na cabeça. Obrigado.


3 comentários:

Anónimo disse...


Olá Professor Valdemar.
O meu 1º professor de música no Grupo Coral de Urrô, onde iniciei os meus estudos musicais.
Mais tarde encontramo-nos na Banda Musical de Arouca, novamente como professor, estudar as peças e marchas para poder entrar para a Banda M.A., depois como colega e como maestro!
OBRIGADO por toda a disponibilidade, ensino, amizade, companheirismo...
Ainda me lembro de várias brincadeiras do Srº Valdemar e do Sousa... Saudades!

Ainda "hoje" quando é preciso na Escola de Música, esta sempre pronto a ajudar e a contribuir!

Em relação a música que partilhas Cebolinha,Theme Varie, ainda hoje me arrepio quando ouço esta música... uma das minhas favoritas!


OBRIGADO por tudo, Valdemar Noites.
OBRIGADO Miguel pelo texto e homenagem ao nosso professor!

Saudações musicais, Clara Brandão

4CP11 disse...

Grande texto "Cebolinha"...Parabéns!!!Abraço.

José Augusto (Arouca) disse...

Caro amigo Miguel
Penso que ninguém é indiferente ao contributo que o Valdemar deu à Banda em primeiro lugar e à música em Arouca num sentido geral.
Lembro-me bem, quando a escola de música do grupo coral de Urrô funcionava na garagem de casa do meu pai, chegávamos a desligar a televisão para ouvir o Valdemar a tocar piano, pois ele chegava uma hora mais cedo para dar o gosto aos dedos. Para nós, é um convívio de 30 anos. À luz da música criou-se uma amizade, até pelo amor que temos todos pela Banda à qual pertencemos.
Confesso que em todos estes anos, já tivemos as nossas picardias (eu e ele) mas foi porque sentimos profundamente a Banda de Arouca e orgulhamo-nos da farda que vestimos.
Tiro o chapéu ao teu texto, e subscrevo-o totalmente. Ele nem precisa tirar o curso para que o chamemos de Professor, pois ele foi e continua a se-lo.