Memórias e Poemas


Hoje o meu pai surpreendeu-me.
Não que eu já não conhecesse muitos dos textos, poemas e desenhos que o meu pai foi construindo ao longo do tempo. Sou até seu admirador desde muito tenra idade quando ele, para me entreter, rabiscava alguns animais nas margens dos jornais enquanto lia. Eram também momentos únicos aqueles em que relatava com pormenores encantadores as suas histórias de meninice nos artigos que escrevia no já extinto mensário Cruz de Malta, outrora propriedade do Grupo Cultural e Recreativo de Rossas.
E foi assim que o meu pai me apanhou desprevenido. Quando pela manhã cheguei a sua casa para levar a minha pequenina Rita à escola tinha à minha espera um livro de Memórias e Poemas onde se podem encontrar alguns desses textos já publicados entre uma ou outra história que o meu pai terá eventualmente acrescentado. Ainda não tive oportunidade de ler o livro na sua totalidade embora o tenha folheado um pouco à pressa para ter uma primeira impressão. Deu para notar que faltam lá algumas boas histórias que conheço mas até isso é para mim motivo de satisfação: fica a porta aberta a um segundo volume. Porque não?!
Para já vou-me deliciando com esta boa surpresa que me levou a guardar vários exemplares acreditando que os meus filhos e a geração que há-de vir terá orgulho em ter consigo um exemplar original de um seu ascendente querido.
Sinto-me na obrigação (que é também um enorme prazer) de agradecer ao meu amigo e cunhado de Mansores, Fernando Moreira, que publicou há bem pouco tempo o livro Esvoando onde relata, entre outras coisas, também algumas das suas memórias e que eu tive o prazer de ler. Creio que terá sido esse livro que serviu de empurrão para que o meu pai seguisse pisadas semelhantes. Ainda bem. Não me canso de dizer que as memórias escritas parecem chegar-se para mais perto de nós. Talvez por isso eu teime em manter este blogue...
Folheando o livro do meu pai, cada linha escrita transporta-me para a nossa antiga lareira onde juntamente com os meus irmãos escutávamos embevecidos as suas tropelias de garoto. É incrível como há tanta gente que apenas conheço através dos olhos do meu pai. Alguns conheço dos tempos de hoje já de cabelos brancos e gastos pelo tempo e apenas graças às palavras do meu pai consigo imaginá-los meninos travessos de outrora. Outros, por contingências da vida, foram para longe e alguns deles não mais voltaram. Mesmo assim, muito estranhamente, são pessoas que pareço conhecer. Porque as suas feições como que se desenham através dos olhos do meu pai a cada história contada. Através daquele brilho que só as pessoas gratas sabem emprestar ao olhar. Mesmo passados todos estes anos.
Gosto de pensar que um dia também terei a oportunidade de contar as minhas peripécias aos meus filhos e netos. Nessa altura espero fazer dos meus olhos os que de mais parecidos encontrar com os que o meu pai traz a cada relato das suas ternas memórias. Só assim poderei fazer jus ao tanto que me deixou.

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