20 anos depois...

Teatro.
Sábado. Dia 7 de Junho, às 21h 30m, no salão do Centro Cultural, em Rossas.
Em cena estarão duas comédias: “Apanhado em Flagrante” e “Dois mortos… vivos!!”, esta última em dois actos.
Teatro.
O Grupo Cultural e Recreativo de Rossas volta novamente à cena.
O espectáculo é bom. Dizem. Eu acredito.
Os actores são bons. Dizem. Eu também acredito.
O salão estará esgotado. Dizem. Eu ainda acredito.
Teatro. Em Rossas. Como sempre.
Mas a história deste espectáculo não pode ser contada desde aqui. Porque há que fazê-lo desde o início. Para isso, convido-te a caminhar comigo até ao dia 29 de Julho de 1988.
Cá vamos…
O dia amanheceu solarengo. À data, sou um menino de apenas 12 anos que, por incrível que possa parecer nos dias de hoje, ainda não tinha assistido a qualquer peça de teatro feita pelas gentes de Rossas. A doença e morte do meu avô, o Sr. Brandão da Seca, (talvez o maior nome do teatro em Rossas) tinha atirado a arte de representar, nesta pacata terra, para um espécie de limbo. Afinal de contas, tinham sido ele e a Palmirinha da Póvoa os grandes obreiros do reaparecimento em força do teatro nesta freguesia. E foi essa tal vontade que esteve na génese desta Associação que eu tanto amo.
Futebol.
Nessa altura, o famoso “Torneio de futebol do parque” era também um recém-nascido, e juntava grupos numerosos de pessoas dos quatro cantos do concelho. Todos se acotovelavam para apoiar os pequenos craques que vestiam as cores das diferentes freguesias. Eram pequenos “Nenés” e “Chalanas” que pediam “meças” ao maior dos habilidosos. E é também por isso que esse dia 29 de Julho de 1988 é tão importante. Porque nesse dia jogava-se a final do torneio e a nossa humilde Associação tinha ganho o direito a jogar a final, depois de uma meia-final ganha ao “favorito” Centro Juvenil Salesiano nos penalties, já que o prolongamento tinha ditado um empate a 3 bolas.
Futebol.
Lembro-me que, nessa altura, era ainda novo para fazer parte de tal equipa (jogava ainda nos sub-12). Mas jogavam lá muitos dos meus melhores amigos. E eu não queria saber de mais nada. Não podia era perder essa final. Logo de manhã cedo comecei a tentar convencer a minha mãe a deixar-me ver o jogo. Sem sucesso. Nessa noite, à mesma hora do jogo, num outro local, o Grupo Cultural e Recreativo de Rossas estrearia o seu primeiro espectáculo de teatro desde a sua fundação.
Lembro-me da noite chegar e de sair de casa com os meus pais, contrariado. Afinal de contas, o meu irmão tinha ido ver o jogo. E não era um jogo qualquer. Era uma “final”. A primeira do nosso Grupo.
Teatro.
Lembro-me de chegar ao salão do espectáculo e de ficar um pouco desencantado. As paredes ainda estavam em tijolo e as cadeiras, além de não serem muitas, pareciam um pouco velhas. E eu lá, a pensar no jogo.
Teatro.
Pouco passava das 21h 30m, quando aconteceu uma das imagens mais bonitas que hei-de guardar comigo. Acompanhado com uma “chiadeira” característica, o pano abriu ao som de um tal Malaquias Tenreiro a puxar as orelhas ao Lucas. De pé, encostado a uma das colunas do velho salão, ri-me “como se não houvesse amanhã”… Os meus olhos iam fixando todo o cenário. Os risos foram-se sucedendo. Sempre. Sempre. Sempre.
A minha mãe tinha acertado ao trazer-me com ela. O mundo não perdeu, nesse dia, certamente, um adepto de futebol. Longe disso! Mas ganhou um verdadeiro amante do teatro.
O nome da peça? Fácil… “Dois mortos… vivos!!”
No próximo sábado, volta à cena.
Agora, passaram já 20 anos. Como actor, participei já em mais de 200 espectáculos diferentes. Mas, para mim, este vai ter algo de especial. Vai ser uma enorme honra ser, por momentos, o “Sr. Marques”, interpretado pelo Arménio há 20 anos atrás. Vai ser uma honra ainda maior, poder partilhar o palco com o mesmo “Sr. Malaquias” e “Simplício Congosta” que vi, da plateia, há 20 anos atrás. Vai ser uma honra ter como companheiros a Odete, o Fernando Antunes, o Zé Mário, O Sr. Fernando e o Américo no dia em que me abraçarei a estas preciosas memórias quando estiver a gesticular em palco.
Futebol.
Por ironia do destino, no sábado também há jogo. Momentos antes do espectáculo, a nossa selecção irá “trucidar” a Turquia. Espero. Com dois golos do Nuno Gomes, um do Simão e dois do Ronaldo. Porque, à semelhança dos “importantíssimos” torneios do parque, também os rapazes que estão na Suíça levam no corpo as nossas cores. A nossa Alma. A nossa Vontade.
Enfim… Haverá palavra mais bonita que futebol?
Há. Sim. Teatro.
No sábado. Dia 7 de Junho, às 21h 30m, no salão do Centro Cultural, em Rossas.
Espero por ti.
Um abraço.

Miguel

P.S. O resultado da final de há 20 anos atrás? Perdemos, já no prolongamento, por 3-1. Acontece. Acabaríamos por ser campeões em 1997, comigo a treinador. Sim, porque mesmo neste meu corpinho fininho, haverá sempre lugar para estas duas paixões…

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