Quando este texto começa sou um Avião de Papel a rasgar o ar. Livre. Tudo o que consigo avistar é imenso e difícil de descrever e, por isso, também difícil de escrever. Um azul lindo e enorme. Em tudo igual ao que te é dado a ver mas, em tudo diferente daquele que te é dado a sentir. Porque o meu azul toca-me as asas. Faz-lhe mimos. Acaricia-as. É cúmplice da certeza dos contornos desenhados pelo meu voo. E enquanto me deixo planar pelo ar, de asas bem abertas, pelo tempo que demora um abraço, dois abraços, cada abraço, todos os abraços que te dou, que te quero dar, que me dás, que me deste, que me queres dar ou que nunca deste, lembro a tua janela e o tempo que me tiveste pousado, no parapeito, a olhar para mim. E, a cada instante, sinto o momento em que me largaste, solto pelo ar. Em que me deste todo este azul que agora percorro. Em que saí das tuas mãos simples, puras, meigas e perfumadas. E é o teu perfume que empresta a beleza a estas simples asas. Que dá colorido ao meu voo. Ainda que me possas ter lançado da tua janela, não pelo prazer de me veres perder pelo ar, como um pequenino pontinho de papel mata-borrão que se dispersa pelo azul do céu mas, antes, pela simples razão de não me quereres ter no parapeito da tua janela. E é quando sinto o meu voo mais raso, quando o vento parece dar os seus últimos sopros às costas das minhas asas e que me preparo para pousar de forma calma e simples no mais verde dos campos que avistei lá do alto, que me pergunto se ainda me consegues avistar. E se te dás conta que hoje eu sou assim. Mas que antes, mesmo bem antes, não era. Lembro-me de chegar perto de ti pela primeira vez. E dei-me a ti como uma folha de papel em branco. E, sem te dares conta, foste-me enchendo de música. Notas e mais notas, acordes, melodias… E foste fazendo uma dobra e mais outra até eu atingir a aerodinâmica que trago hoje comigo. E as minhas asas foram tuas. Este tempo todo. Mesmo quando não as usaste. Mesmo se não as usaste. E é este o último pensamento que me ocupa totalmente na altura em que sinto os primeiros palmos de chão a rasparem, de mansinho, nas pontas das minhas asas. O que trago hoje comigo é bem mais do que a simples folha de papel em branco que me apresentei no princípio dos tempos. Porque, por paradoxal que possa parecer, dei, nessa folha em branco, tudo o que tinha para te dar. Porque te dei a possibilidade de fazeres dela o que quisesses. Porque, ao levá-la em branco, estava a dar-te muitas possibilidades. Infinitas possibilidades. Todas as possibilidades. E essa é a maior certeza que trago comigo nesta altura em que descanso as minhas asas encostadas na cor verde da relva de um qualquer canteiro que possas imaginar. É saber que sou mais porque dei tudo. É saber que sou mais que essa folha de papel em branco. Até mesmo que esse avião de papel que tinhas pousado no parapeito da tua janela. Sim. Sou mais. Muito mais. Sinto-o no perfume que trago colado às asas e que terás ainda, porventura, nas pontas dos teus dedos. Porque há coisas que se podem dar sem termos de as perder. Obrigado pelo voo que me deste hoje. Ainda que não tenhas imaginado para onde me estavas a largar quando te decidiste aproximar da tua janela. Vou ficar por aqui. Agora. Neste verde. Até que um vento me leve. Ou até que outras mãos se lembrem de mim. Ou as mesmas…
1 comentários:
bendito quem constroi tal aviao! :) quem enche a folha de notas, musica, alegria... e que permita um voo alto, nem que seja só por momentos... já vale a pena ver o mundo lá de cima! a perspectiva daqui de baixo nem sempre é tao boa....
Aviaozinho, nunca deixe de voar, pois ao voar leva muita gente consigo nessa viagem!
um abraço do tamanho do ceu
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