Hoje o texto que vos deixo é um pouco diferente do habitual. E a principal razão para isso acontecer é que não foi escrito por mim. Quem lhe deu vida foi o punho da minha mãe há já algum tempo e descobri-o apenas hoje numa visita que lhe fiz. Juntamente comigo estavam também as minhas irmãs, o meu pai e dois dos meus sobrinhos. Leu-o em voz alta e acabei a chorar como uma criança. Bem sei que há coisas que devemos guardar só para nós mas acho que esta não é uma delas. Fica apenas o senão de não existir nenhuma foto da minha infância que seja na cozinha ou na sala da casa que me viu nascer.
Aqui fica então uma memória que me é muito querida e que a minha mãe teve a sensatez de eternizar em papel. Deixo-vos com as palavras dela...
"Era Inverno. A mãe chegava do trabalho e preparava a refeição. O pai, depois de fazer a fogueira, distraía o mais pequenito que, sentado nos seus joelhos, ia adivinhando os desenhos variados que ele ia fazendo nos espaços brancos do jornal que acabara de ler. Os outros filhos (porque havia mais filhos lá em casa) faziam os deveres escolares ou brincavam no pequeno espaço que a cozinha de então lhes oferecia. Era assim todos os dias: juntos comiam, juntos rezavam (porque naquela altura ainda se conseguia a reza diária do terço em família) e todos iam conversando. E havia sempre que dizer. Tantas conversas engraçadas que as crianças fazem e que nunca mais os pais esquecem! Tantas respostas dadas aos filhos, pelos pais, que ficam para a vida inteira.
O mais pequenito era sempre o que tinha mais atenções. De todos, o que fazia as perguntas mais inesperadas e que exigia resposta à medida dos seus desejos.
- E se eu não fosse desta casa?...
A mãe lá ia dizendo:
- Tu és meu filho, tinhas de ser desta casa.
No dia seguinte a mesma pergunta:
- E se eu não fosse desta casa?... Eu queria ser desta casa.
E a mãe respondia acrescentando mais um pouco à resposta do dia anterior:
- Tu és meu filho. Tinhas de ser desta casa. Se não fosses, eu ia buscar-te onde tu estivesses, porque tu és meu.
- E se tu não soubesses o caminho?...
- Eu sei os caminhos todos, dizia a mãe, e ia buscar-te onde tu estivesses. Tu és meu filho e eu sou a tua mãe. Os filhos vivem na casa do pai e da mãe. A tua casa é esta; não pode ser outra.
E assim, com dificuldade o ia calando.
O tempo passou, todos ficámos mais velhos. Os estudos obrigaram à separação. A casa ficou mais vazia. Os encontros passaram a ser ao fim-de-semana. Tudo mudou.
Já não há filhos sentados no colo. As perguntas já são diferentes e as respostas mais difíceis. Mas ainda há tempo para falar e ouvir. A vida continua... diferente... mas é preciso vivê-la.
- Cheguei, mãe, deixe tudo. Sente-se aqui à nossa beira.
E a mãe, cansada pelo trabalho e pela idade, larga tudo e ouve quase sempre os mesmos queixumes, e parece que não encontra respostas fáceis para convencer os filhos que cresceram.
Outros tempos. Outra idade."
Sabes mãe... Lembro-me bem desse episódio. Soube guardá-lo naquele cantinho que temos dentro de nós onde se guardam as coisas boas que, um dia, vão ressuscitar connosco. Sei-o, talvez desde esses dias onde passávamos o terço sentados à lareira.
Hoje fizeste-me chorar. São novamente aquelas lágrimas "malditas" que a felicidade teima em empurrar pelo canto do olho.
Depois ficamos a tornar mais nítidas algumas das memórias desse tempo. É com muito agrado que reparo que todos vocês salientam em primeiro lugar a minha grande capacidade de memória na altura: tu lembraste logo que eu sabia a equipa toda do Benfica com apenas 4 anos. Mas o que agora me trouxe um sorriso aos lábios foi a Cristina ter dito que eu sabia as bandeiras dos países todas de cor por vê-las naquela enciclopédia que o pai guardava. E sabes porque ainda estou agora a sorrir? Se te disser que essas bandeiras estão na página 376 tu acreditas?...
Um beijo enorme mãe. E obrigado por esta excelente recordação. Dá outro ao pai que ele também merece. Quanto mais não seja, por me sentar nos joelhos dele e me fazer aqueles desenhos nos espaços brancos do jornal...
3 comentários:
"Mãe, obrigado pelo amor
Eu te agradeço neste dia
Todos os mimos que me dás
Com ternura e alegria
Hoje eu digo a toda a gente
És o melhor que o mundo tem
Quando me abraças sou feliz
Porque me amas e eu te amo,
querida mãe!"
Obrigada mãe Palmira e filho Miguel pela partilha! Muito bonito!
Parabéns pela sabedoria de coração que as vossas palavras carregam!
Beijinho,
Odete
as lagrimas atacam outra vez .)
as lagrimas atacam outra vez .)
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